quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

É tão difícil!



Por vezes quando vejo, obviamente compadecido, as notórias dificuldades dos nossos ministros, secretários e outros dirigentes em geral, que negam aeroportos, que confirmam a seguir, anunciam pontes que mudam a seguir "e fica o caso encerrado" para se reabrir a seguir, as casotas do Sócrates (dignas do diploma, diga-se), os "problemas de comunicação" de tantos, as promessas falhadas de todos... pergunto-me se esta coisa de governar não será peso demais nos ombros dos nossos pobres governantes.
Aí lembro-me deste poema de um alemão baixinho que escrevia coisas "grandes" e que se chamava Bertold Brecht.


"Dificuldade de governar"

No fim do texto do poema podem ouvi-lo dito magistralmente pelo Mário Viegas, oferta do Hertz.


1. Todos os dias os ministros dizem ao povo como é difícil governar. 
Sem os ministros o trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas se o chanceler não fosse tão inteligente. 
Sem o ministro da propaganda mais nenhuma mulher podia ficar grávida. 
Sem o ministro da guerra nunca mais haveria guerra. 
E atrever-se-ia a nascer o sol sem autorização do Führer?
Não é nada provável e, se o fosse, nasceria por certo fora do lugar.

2. É também difícil, ao que nos é dito, dirigir uma fábrica. 
Sem o patrão as paredes cairiam e as máquinas enchiam-se de ferrugem.
Se algures fizessem um arado ele nunca chegaria ao campo sem as palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem, senão ele, lhes poderia falar na existência de arados? 
E que seria da propriedade rural sem o lavrador?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3. Se governar fosse fácil não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina e se o camponês soubesses distinguir um campo de uma forma para tortas
não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
É só porque toda a gente é tão estúpida que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4. Ou será que governar só é assim tão difícil 
porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?



18 comentários:

AC disse...

...sem dúvida um texto sempre actual...kem quiser ouvir na voz de Mário Viegas:
http://hertzonline.imeem.com/music/71PCz1Ow/mario_viegas_dificuldade_de_governar/

samuel disse...

Caro Hertz

Obrigado pela dica e oferta. Vou "aceitar" e juntar ao post.

Abraço.

Maria disse...

Ahhhh, e como ele sabia o que dizia....
Vou ouvi-lo a seguir.
Obrigada, Hertz e Samuel (ou ao contrário, tanto faz...)

Abreijos

Maria disse...

Arrepiei-me, com a voz do Mário Viegas....
... o poema tem outro "peso", assim dito...

alex campos disse...

Grande Mário. Um dos grandes nomes da cultura portuguesa.
Obrigados por o rcordarem.

samuel disse...

Maria e Alex

Fiz muitas sessões de poesia e canções, a meias com o Mário Viegas. Grandes histórias!...
Ainda hoje fico um bocado "atrapalhado" quando lhe ouço a voz.

BlueVelvet disse...

Fabuloso post, Samuel.
Não conhecia este texto.
Absolutamente fantástico.
Abreijinhos


Ps: deixei-lhe um desafio canininho no meu blog. Espero que não leve a mal.
mais veludinhos

Ana M. disse...

Governar não sei se é difícil.
Ainda só governei a minha casinha e não me consta que o tenha feito mal.
Agora, GOVERNAR um país como deve ser, ou como deveria ser, isso acredito que seja DIFICÍLIMO!
Que as tentações são mais que muitas...

Abraço

Outonodesconhecido disse...

também a doro o poema como quase tudo de Bertold Brecht.

Anónimo disse...

Ó samuel
Este Bertold Brecht, tinha a mania de,dizer verdades, e o pior é que elas se mantêm!
bem hajas pela voz e a ate do Mário Viegas.
Um abraço
josé manangão

GR disse...

Excelente poema de Brecht.
Mário Viegas gosto tanto de o ouvir.
Parabéns pelo post!

GR

João Ricardo Vasconcelos disse...

É uma cruz essa profissão de governar. E são sempre incompreendidos. Não desejo a ninguém...

Sal disse...

Adorei o poema.
Muito actual no nosso Portugal de hoje!

beijinhos

Sérgio Ribeiro disse...

Caro Samuel
Num blog mais ou menos íntimo - ficcoesdocordel.blogspot.com - ando a fazer umas "habilidades" e publico uma série a que chamo "poemas cucos", em que cometo a heresia de traduzir ou adaptar poemas de outros (e que outros!) "à maneira". Este poema do Brecht foi uma das vitimas...
E acho curioso (e muito significativo do "momento") que, dias depois, o tenhas ido buscar.
Espreita a "adaptação" e, espero que não te arrepies.
Um abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Corrijo-me: o tal meu blog é docordel.blogspot.com.
Nem o nome certo dele sei... mas dá-me muito gozo o que por lá tenho posto

Pata Negra disse...

Vou dizer uma coisa comum porque as coisas comuns também são para ser ditas e repetidas como as outras coisas:
O Bertold Brecht parece que continua a estar vivo e a assistir ao que se passa cá por baixo - eu sei, ele ainda não morreu, eu sei é sempre actual, eu sei, a merda é sempre a mesma! A sua poesia devia ser uma espécie de "breviário dos padres" da classe política: não ser para cumprir mas ao menos para ler todos os dias!
Grande Brecht, grande Mário Viegas!
Um abraço até mais Brecht

samuel disse...

Sérgio

Já lá fui. Realmente, isto dos pensamentos cruzados...
Gostei também dos outros.
Pelo sim pelo não, já pendurei o "Ficções de Cordel" aqui na lapela do Cantigueiro, para ser mais fácil passar por lá e ir debicando no que houver.

Abraço.

Fernando Samuel disse...

Brechte é genial na sua gritante actualidade.
«Se governar fosse fácil, não havia necessidade do...» Sócrates, do Sarkozy, do Bush...