domingo, 31 de agosto de 2008

Algures na arena da esperança...





O José Carlos Ary dos Santos era uma força da Natureza, uma espécie de vendaval que levava tudo à sua frente, uma mão que “pousava” nas nossas costas deixando-as prontas para a ortopedia, um imenso amigo, um vozeirão que incomodava meio mundo... “porém morrendo aos poucos de ternura”.
Costumo dizer que só fiz uma cantiga com o Ary, o que não é rigorosamente verdade, já que existiram umas canções, que certamente nunca voltarei a saber como eram, para um espectáculo do grupo de teatro “A Barraca” em início de vida, todas com versos dele e algumas com música minha. De qualquer maneira, cantiga, gravada e fazendo parte do meu reportório, só há uma, esta, intitulada “Llanto para Alfonso Sastre y todos”.
Uma noite, de trabalho colectivo em casa do Ary, para preparar já não me lembro o quê, tive o descaramento de ocupar algum tempo a remexer em papeis manuscritos com versos e quando encontrei e li este “llanto”, em vez de disfarçar ou pedir desculpa, declarei com ar decidido “Zé Carlos, quero estes versos para mim!”. “Leva-os, mas ai de ti que não faças a música!...”
Passado algum tempo, como a música não aparecia, o poeta já ameaçava “Vou fazer um escândalo à tua porta” e foi assim, pressionado e “temendo o pior”, que fiz esta música, gravei-a no álbum de 1979 “Ao alcance das mãos” (na imagem) e passei a cantá-la sempre que posso, como neste programa “Sabadabadu” da RTP, de princípios dos anos 80, portanto, há muitos anos e “muitos cabelos atrás”.
Bom Domingo!

Llanto para Alfonso Sastre y todos
(José Carlos Ary dos Santos)

Foi quando as madres terriveis
Levantaram a cabeça
Foi quando os sinos dobraram
Nas torres de Saragoça

Foi quando a Guarda Civil
Surgiu no brilho de aço
Que de novo se pintou
A Guernica de Picasso

Não eram cinco da tarde
Nem da noite ou da manhã
Era a hora de lutar
Pela Espanha de amanhã

Era a hora de acordar
A voz de Lorca e Machado
Era a hora de atacar
Com a foice e o arado

Não eram cinco da tarde
Nem da noite ou da manhã
Era a hora de lutar
Pela Espanha de amanhã

Algures na arena da esperança
Contra os cornos do fascismo
Um pocta abria a dança
Dos passos do heroismo

Suas palavras agudas
Feriam as carnes da besta
Pois jamais se quedam mudas
As vozes de quem protesta

Algures na arena da esperança
Contra os cornos do terror
Um poeta abria a dança
Das palavras que dão flor

Dizia amigo canção
Pátria alento humanidade
Dizia verdade e pão
Como quem diz liberdade

Não eram cinco da tarde
Nem da noite ou da manhã
Era a hora de cantar
Pela Espanha de amanhã

Foi então que do mais fundo
Do ódio do mal do medo
Irrompeu o berro imundo
De quem oprime e não cede

Choveram balas patadas
Correntes golpes mordaças
E palavras embrulhadas
Em insultos e ameaças

Chegaram ferros e facas
Uivos lampadas chicotes
Choques agulhas matracas
Baionetas e garrotes

Não eram cinco da tarde
Nem da noite ou da manhã
Era a hora de calar
Pela Espanha de amanhã

Algures na arena da esperança
Um poeta foi torturado
Sua alegria a vingança
Seu nome cantor soldado

Algures na arena da esperança
Um poeta foi torturado
Sua alegria a vingança
Seu nome cantor soldado

Não eram cinco da tarde
Nem da noite ou da manhã
Era a hora de cantar
Pela Espanha de amanhã.

“Llanto para Alfonso Sastre y todos” - Samuel
(José Carlos Ary dos Santos / Samuel)



30 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que lhe "sacaste" os versos, ganhámos uma música.


Abraço

alex campos disse...

Obrigado. Já tinha procurado o Samuel no Youtube e não encontrei nada, devem ser recentes.
Um abraço.

Maria disse...

E vais fazer deste um CD, não vais?
Cantei enquanto lia o poema.
Agora vou ouvir-te!!!!!
Obrigada, Samuel.

Abreijos
(e queremos mais)

Maria disse...

Gostei de ouvir a Desafrontra... éramos todos tão mais novinhos... :))
E da fala do homem nascido, no Coliseu, este ano, claro!!!

Mais abreijos

Anónimo disse...

Olá Samuel. Não conhecia, mas revivi estes momentos com saudosismo. Tinha eu vinte anos (ai quem me dera). Nesta altura, a mensagem da voz, da interpretação, da música e da poesia era ainda uma forma de cultura neste nosso país.
Ainda bem que o Ary lhe pressionou para que esta cantiga existisse. Ainda bem que o Samuel lhe "pilhou" estes versos.
Obrigado

fj disse...

E como o diz o Alfredo, eramos todos tão novinhos ;)
vá lá Samuel procura mais musicas desse tempo e coloca mais videos por aqui, há que relembrar bons tempos e belos poemas.

Um Abraço Ribatejano

linhadovouga disse...

Sim, Samuel. Ainda há poucas horas tive uma discussão (enfim, no sentido mais amigável e sadio do termo), sobre ti e a tua música. É impressionante o que a indústria da música gravada e afins pode produzir, ao longo de anos, no imaginário de pessoas, mesmo de pessoas inteligentes (mas desatentas).
Bela canção e belo poema.

Sal disse...

Esta canção é lindíssima.
Que neura a porcaria de rádios que temos não terem a ousadia de não andar a reboque das playlists, e serem capazes de passar esta e outras canções fabulosas do nosso panorama musical.
Obrigada pela tua inspiração.

beijinhos

João Carlos disse...

não disseste qual foi a opinião do Ary sobre o teu arranjo musical mas desde já te digo que para nós fizeste um bom trabalho.
Certamente deu-te aquela palmada tenebrosa...
Obrigado pelo video. Manda mais que o pessoal gosta.

Anónimo disse...

Companheiro, cada vez mais, penso na necessidade, de um espaço para ouvir-mos, e comunicar-mos com os interpretes, e fazedores destes hinos.
Não te coibas, de dar a conhecer o teu trabalho, a tua arte,o teu valor, a juventude está receptiva:-semeia, o futuro no tempo que passa!
Abração, companheiro!

Hilário disse...

Continua camarada Samuel.

Estar presente, olhando o futuro não esquecendo o passado!

Um grande abraço

Fernando Samuel disse...

E que belo domingo me deste com esta belíssima canção!
Manda mais... - e faz o que a maria mais uma vez sugere, sugestão que eu, mais uma vez, apoio...

Abraço grande.

Justine disse...

Belíssima canção muito, muito bem cantada, amigo! (há muitos, muitos cabelos atrás...:))))
Obrigada pela oferta domingueira

Rosa dos Ventos disse...

Foi bom recordar Ary e ouvir-te...

Abraço

Cris disse...

Bravo!Bravo! Foi lindo!
Nossa! Que belo presente neste domingo.
Muitos beijos.

São disse...

Como diz Maria, queremos mais.
Fique bem, em companhia da Maria.

Rui Vasco Neto disse...

sam,
está tudo dito aqui em cima, repetir é escusado.
mas bela prenda, simssanhora!

há mais?

Anónimo disse...

OBRIGADO PARA AMBOS!

Pata Negra disse...

Eh pá! Vou só dizer uma coisa:
Gostei!
Desta vez o abraço é para o Samuel

Anónimo disse...

Mais um momento mágico de Luta. Um Abraço

GR disse...

Entrar neste blog é sempre uma boa surpresa. Desta vez...tanta saudade. Fiz como a Maria, continuei a procurar e ouvir-te.
Enviei por e-mail a todos os amigos esta canção, grande surpresa irão ter.
MAGNIFICA VOZ!

Obrigada e Parabéns,

GR

José Gomes disse...

Samuel,
Não vou repetir os comentários acima, mas fazer deles as minhas palavras. Foi um belo momento recordar Ary, a tua voz, e muitos anos atrás... mais um alento para continuar-nos a luta.
Um abraço,
José Gomes

Ana Camarra disse...

Samuel

Pois eu era mesmo muito novinha, tinha 12 anos...
Mas o poema é belissimo, como quase tudo o que Ary escreveu!

Beijocas

o escriba disse...

Boa noite!

De blog em blog, vim "desaguar" aqui e fiquei...encantada! Lembrar as palavras de Ary dos Santos e ouvir o Samuel foi abrir as memórias para um largo sorriso de satisfação.

Um abraço
Esperança

Orlando Gonçalves disse...

Lindo, Lindo, adorei e mais engraçado eu vi e recordo esta tua passagem pelo programa, para além disso é uma canção com uma letra que me arrepia e me faz chorar. Obrigado meu querido Samuel e por favor não pares nunca de a cantar e de cantar, existem pessoas que nasceram com um dom e tu tens o teu, cantar e tocar. Dá-nos musica então.

Anónimo disse...

Gostei muito de te ouvir e não pode ser só memória e nostalgia. Há, por esses lados, muita força para a frente (palante, como se diz noutras línguas!)
Obrigado e um abraço

Lúcia disse...

Gostei muito deste post. Sentido!
Quanto à música - bem - sem som nesta gaita. Mas fica na lista para quando tiver ser das primeiras coisinhas que ouvirei!
Beijinhos

Cloreto de Sódio disse...

Fantástico. Belo momento. Obrigado, Samuel. Começa a saber bem ouvir novamente estes textos e estes "embalos". Abraço.

BlueVelvet disse...

Ó Samuel,
desculpe lá, a letra é linda, a música também, e o Ary, pois, blá, blá, blá, a Vóvó que me desculpe, mas que grande gato que está aqui:)))
Hoje deu-me para aqui.
Abreijinhos

augusta disse...

Palavras para quê? Já tudo está dito atrás. Mas eu não me canso de vir aqui. É-me impossível ficar calada, quem viveu isto não consegue ler as palavras do Ary sem cantar outra vez contigo...

OBRIGADA Samuel!
Abreijo!