domingo, 23 de novembro de 2008

Quem tem ouvidos para ouvir...


Há já uns tempos, tive a felicidade de me encontrar com a música tradicional das Ilhas Canárias. Até hoje não paro de me surpreender com a riqueza fabulosa daquela imensidão de cantigas e danças e com o orgulho verdadeiramente comovente que os “canários” têm em todas elas.

Para qualquer ouvido mais atento, a semelhança entre alguns desses temas tradicionais e a música tradicional dos Açores (melodias, acompanhamentos instrumentais, danças, fatos, tudo...) chega a ser verdadeiramente desconcertante, mas isso ficará para outra altura...

A música “canária” é, como disse, um manancial de modas e danças dividido em dezenas de temas genéricos, como as “folias”, “malagueñas”, “seguidilhas”, “saltonas”, “isas”, “polkas”, etc, etc. Qualquer um destes temas não retira o nome da letra com que é cantado, mas sim da sua raiz. Dentro da mesma moda, enquanto o acompanhamento se mantém rigoroso, quase só variando por força do maior ou menor virtuosismo dos músicos, as vozes solistas fazem gala de a cada volta do tema, exibirem uma versão distinta da melodia... o que é um grande gozo para quem ouve.

O grande amor dos “canários” pela sua cultura, há muitos anos apoiado em actos e não em conversa, permite que existam muitas centenas de “agrupaciones folclóricas”, os que se dedicam às danças e cantigas e ainda mais “parrandas”, os grupos que se concentram nas modas tocadas e cantadas. A quantidade e qualidade dos executantes, a mistura harmoniosa de veteranos e muito jovens nas mesmas formações, a adesão total do público e a veneração que a cada minuto demonstram pelos velhos cantadores e tocadores, que realmente tratam como mestres, explicam a grande pujança actual da música tradicional da Ilhas Canárias.

O facto de eu seguir estas músicas num programa da televisão espanhola, que já dura há trinta e cinco anos, semanalmente (e que ainda por cima não é o único), ajuda igualmente a explicar essa pujança e, confesso, o misto de prazer, admiração... e grande “inveja” com que o vejo.

Claro que para a mesma “raiz” de uma “folia”, ou “Isa”, por exemplo, para além dos milhares de versos possíveis, cada ilha, cada município, cada agrupamento, cada solista, defende bravamente “a sua versão”. É o caso de um dos temas de que não falei ainda, “Aires de Lima”, de que já ouvi dezenas de melodias e interpretações.

Quem teve a coragem de me seguir até aqui, será largamente recompensado com a audição de um desses “Aires de Lima”, aqui na versão de Artenara, pequeno município do centro da Gran Canaria. Ao contrário do que é habitual, não é acompanhada por uma formação de muitos músicos, mas apenas por dois. Só que... os dois são verdadeiros “aviões”, um na guitarra clássica, Palmero e o outro, um dos mais fantásticos tocadores de Timple, Domingo Rodriguez “El Colorao”.

A cereja no cimo do bolo é a cantora, Fabiola Socas, que canta estes Aires de Lima como acho que nunca tinha ouvido ninguém cantar. Sente cada sílaba do que diz, acaricia cada nota que canta, saboreia e “vê”, com aquela maneira inquietante de ver dos que não vêem como a maioria de nós, cada arrepio que provoca em quem a ouve. Como poderão constatar, o efeito que ela provoca no público presente no programa (e como já se percebeu, em mim) é algo “hipnótico”.

Bom Domingo!

"Aires de Lima" - Fabiola Socas
(Tradicional das Canárias)


10 comentários:

Maria disse...

Belíssimo, Samuel!
Hoje deste-me uma lição de música, para além da propriamente dita...
Não costumo fixar-me na tv de nuestros hermanos, mas vou estar mais atenta. Vale a pena, mesmo!

Obrigada.
Bom domingo.

abreijos

GR disse...

Não conhecia.
É surpreendente, as semelhanças com a música açoriana.
Belíssima voz e canta com um sorriso feliz.
Adorei ouvir.

GR

duarte disse...

aplausos e obrigado
duarte simplesmente.bom domingo.

XICA disse...

Samuel, toda a gente te vai agradecer este "Bolo" com "cereja" e tudo. Belissimo e as sensações muito bem descritas no post.

Rosa dos Ventos disse...

Lindo!
Obrigada pela partilha...

Abraço

amigona avó e a neta princesa disse...

Meu querido Samuel vim ler-te e recuperar o tempo perdido! Como está a vóvó?
Boa semana...

Fernando Samuel disse...

Belíssimo!
(dar às palavras o seu verdadeiro peso...)


Um abraço.

Lúcia disse...

Ora aí está uma boa sugestão. E nova, para mim!
Beijos

Hilário disse...

Excelente música, lindissima voz.

Obrigado Samuel

Justine disse...

Obrigada pela lição sobre música canária, que eu, ignorante, desconhecia quase totalmente.
Mostras-nos mais um bocadinho, um dia destes??
Abraço