Estamos “condenados” a avançar para o futuro. Somos convocados a fazer das tripas coração para que esse futuro seja bem melhor do que este presente. É preciso sair daqui! – é o que pensamos sempre que acidentalmente pisamos em assuntos nojentos, como o do post anterior. Só que no nosso caso, enquanto portugueses, fugir para o passado não é solução, já que temos um passado ainda mais nojento do que o presente.
Mesmo assim, porque éramos crianças, sempre conseguimos aqui e ali encontrar uma memória que nos devolve a um tempo ainda inocente, passado entre as páginas do velho livro de leitura da 3ª classe (sempre o mesmo, durante décadas)... isto, para gente com a minha idade, ou um pouco mais, ou muito pouco menos.
É aqui que entra em cena esta “pérola”, da autoria de Acácio de Paiva, protagonizada pela azougada menina Loló.
“A gata e a boneca”
Tinha a menina Loló
Uma sábia bonequita:
Aquilo bastava só
Puxar a gente uma guita
Que lhe pendia por trás,
Sob o vestido de lã,
Para abrir a boca, e zás!
Dizer papá e mamã!
Ora a Loló também tinha
Uma gata (era maltesa).
Essa, porém, coitadinha.
Era muda, com certeza.
Miava apenas ; mais nada.
De maneira que a pequena
Andava desanimada,
Até chorava com pena!
Um dia pensou: «Talvez
A doença tenha cura…».
(A doença era a mudez
Da citada criatura).
Se o mesmo fizer à gata
Que à mona, quem sabe lá
Se a língua se lhe desata
E diz mamã e papá.
Dito e feito. A pequerrucha,
Quando a bichana dormia
Puxou-lhe a cauda gorducha:
Dois saltos fenomenais.
Uma forte arranhadela.
E… quem chamou pelos pais
Não foi a gata. – foi ela!
Desde então Loló, se passa
Ao pé de um gato ou dum cão.
Não lhe toca nem por graça.
Pois lhe serviu de lição.
Não compreende, porém.
Qual venha a ser, afinal,
A serventia que tem
A cauda de um animal…
(Acácio de Paiva, in “Livro de Leitura da 3ª Classe”)