Capango era uma jovem mãe trabalhadora angolana. De uma aldeia perdida no sul de Angola, Mpupa, nas margens do Cuito. Como se não bastasse o trabalho duro na lavra, a guerra marcava o dia a dia de Capango.
Manuel Branco era um também jovem enfermeiro do exército colonial. Era um poeta. Gastava tantos medicamentos com os seus camaradas de armas como com os misteriosos e inesgotáveis “primos” de Capango e dos outros habitantes da aldeia... que constantemente se magoavam... e que ninguém via.
Abril já se insinuava pé ante pé nas cabeças e nos corações dos jovens oficiais portugueses, mas faltava ainda algum tempo para amadurecer.
O Manuel Branco – já disse que era um poeta? – que não vejo há tempo demais, escreveu um poema dedicado a esta sua “inimiga” e, no fundo, a toda a gente da aldeia. Gente doce e mansa! Eu sei, pois vi-os a quase todos, anos mais tarde, numa visita arrepiante. Quase todos. Faltou ela! Estava a trabalhar longe, na lavra... mas estava viva e soubemos que era feliz com a sua lavra, a sua filharada, o seu homem.
Quando agora tropecei nesta fotografia de outra “Capango” lembrei-me da música que fiz e gravei, para o poema que o poeta Manuel Branco fez para a sua Capango de há quase quarenta anos. A canção já tem mais de trinta... mas agora aprendeu a fazer-se ouvir nesta coisa maluca da internet.
Desculpem o descaramento, mas hoje canto eu.
Capango(Manuel Branco/Samuel)Capango minha amiga e companheira
Na margem do cuito à margem da vida
Esperando tanto, parecia a vida inteira
Na margem do cuito, à margem da vida
A tua terra era o fim do mundo
O teu quimbo ocupado pelo medo
E eu a dizer-te é muito grande o mundo
E a vida vai começar um dia cedo.
Capango minha amiga e camarada
Na margem do cuito, à margem da vida
Esperando tanto lutaste desarmada
Na margem do cuito, já perto da vida
Mas a luta do Povo chegou longe
Ao capim de revolta incendiado
E um poeta junto do seu Povo
Escreve a história do sangue revoltado
E o capim agora cresce milho
E o arado é a arma do futuro
A tua terra é tua e do teu filho
É o sulco que abres no chão duro.
Capango minha amiga e camarada
Na margem do cuito já perto da vida
Lutando tanto finalmente armada
À margem do cuito já chegou a vida.