domingo, 12 de dezembro de 2010

Júlio Pereira – Tenho um primo convexo




Se é verdade que nem todos temos um “primo convexo”, como este, não é menos verdade que todos conhecemos alguém assim. Alguém fadado para amnistias, suspenso numa rede de suor e preguiça e que mesmo que a Terra trema... de nada se apercebe. Gente que é urgente acordar... nem que seja com canções, arte que o Zeca reinventou e aperfeiçoou.

Aqui chegamos a mais uma versão de uma cantiga do Zeca. Desde que, há muito tempo, aqui elogiei sem reservas o disco dos “Couple Coffee”, inteiramente dedicado ao autor maior da nossa “música inteligente”, tem acontecido de tudo. Desde homenagens sinceras até às golpaças de oportunistas, passando por versões e adaptações criativas e bem feitas, ou verdadeiras aberrações.

Mesmo sabendo que o meu gosto é apenas o meu gosto, esta versão de uma cantiga do Zeca que vos proponho hoje é uma das melhores coisas que tenho ouvido. Sobre esta, o próprio Zeca, depois de franzir os olhos naquele seu sorriso especial, por detrás dos óculos com fita adesiva, diria: “Ó pá, isto está bestial!” Ficaria encantado com a piada (e significado) da inclusão do pequeno excerto dos Roling Stones, diria qualquer coisa ingenuamente malandreca sobre a cantora... a que acrescentaria, “A miúda canta isto muito melhor que eu!”

A “miúda”, bem merece o elogio. Chama-se Sofia Vitória e esteve a um milímetro de, depois de “descoberta” por um desses concursos trituradores de talentos, ser esquecida, ou ficar por aí, cantando não importa o quê. Felizmente, tal não aconteceu, certamente por vontade própria, mas também pelo encontro com o Júlio Pereira. Na sua companhia e enquanto esta colaboração durar, terá ao seu dispor um verdadeiro curso superior de boa música, com aulas espalhadas por todo o mundo.

Agora seria a altura de arejar uma data de adjetivos sobre o próprio Júlio Pereira, músico que tanto caminho fez com o Zeca. Sobre o seu vertiginoso virtuosismo, a energia contagiante, o sentido de humor, o apego à melhor música popular, o extremo bom gosto... mas tudo isso me parece inútil, se posso colocar aqui, como segundo vídeo, um dos seus temas instrumentais que explica isso tudo e ainda porque é que eu digo que ele é um dos grandes, grandes músicos do mundo.

Bom domingo!

          Tenho um primo convexo
          (José Afonso - "Coro dos tribunais" - 1975)

          Tenho um primo convexo
          Fadado para amnistias
          Em torno de ele nadam
          Plantas carnívoras
          Agitando como plumas
          As cordas violáceas
          O meu primo dormita
          Glu glu entre palmeiras
          Suspenso numa rede
          De suor e preguiça
          Corvos bicam-lhe os pés
          Trincam-lhe os calos
          Enquanto a tarde jaz
          E a mão suspende
          O gesto de acordá-lo
          E a terra treme
          Mas de nada o meu primo se apercebe


“Tenho um primo convexo” – Júlio Pereira com Sofia Vitória
(José Afonso)



“Faro Luso” – Júlio Pereira
(Júlio Pereira)

7 comentários:

Maria disse...

Perdi-me a ver e ouvir os dois videos. Começo a ter saudades de alguns tempos, o que pode significar que estou a caminhar para a tal 'idade'...

Abreijos.

trepadeira disse...

Tantos,tantos primos convexos que andam por aí e tios e sobrinhos e afilhados e filhos da maezinha....
Um abraço,
mário

Fernando Samuel disse...

Já que não a posso ouvir (estou sem som...) fico-me pelo texto - que é naturalmente muito bom.
Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

Gostei muito da "miúda cantora". Boa voz, actuação muito expressiva.
Também achei muito bonitas as tuas palavras de homenagem ao Zeca e ao Júlio Pereira.

Um beijo.

Mário Reis disse...

Tanto valor, tanta riqueza cultural este povo, os seus artistas e criadores acumulam, que os gananciosos e os seus agentes, sabendo o filão de energia e de acção que os mesmos representam, os procuram calar... omitindo-os e votando-os ao esquecimento.
Mas haverá sempre alguém a dizer NÃO!

Maria disse...

Esta Sofia é mesmo uma VITÓRIA para a música portuguesa. Excelentes arranjo e interpretação! E o cheirinho a Rolling Stones é a cereja em cima bolo (sem açúcar! Este, como nós, também entrou em crise...).
Sofia, um doce de "menina", amparada, com muito mérito, por dois compositores que serão sempre boa música para os nossos ouvidos tão carentes de boas vibrações.
Obrigada por este momento.

Maria Pereira

LAM disse...

eh pá, o resto tá tudo bem, mas não acho graça nenhuma aos couple coffee.
Opiniães.
;)