Julieta Venegas é uma jovem mexicana, já com uma bela carreira (desconhecida por cá) e um dos nomes a reter entre os criadores e intérpretes da nova música inteligente daquele país.
Pedro Guerra é um espanhol das Canárias, também autor e intérprete. É uma das "coisas boas" que aconteceram na música dos nossos “vizinhos” nos últimos anos. Pela idade, pelas influências musicais que não esconde, pela proximidade artística e pessoal com um punhado de “cantautores” daquelas bandas, a que costumo chamar os “filhos” galegos, catalães, bascos, castelhanos ou andaluzes do nosso Zeca (que por vezes me parecem em bastante maior número do que os de cá), o Pedro Guerra será como que uma espécie “neto” de José Afonso... portanto, ainda meu “parente”.
Acompanhada de uma das minhas “traduções à moda da casa”, proponho-vos esta canção que magoa, num vídeo em que o Pedro e a Julieta nos cantam os meninos de rua do Rio de Janeiro e da Colômbia.
Boa audição, boa leitura, bom domingo!
Meninos
(Pedro Guerra)
A trinta pisos de altura, frente à praia de Copacabana, a rua cheira a humidade, a fruta, sexo, bronzeador e cachaça. A trinta pisos de altura vejo a vida que me olha e passa, bebendo água de coco, frente à praia de Copacabana.
Quando derem as dez, não voltarão para casa. Ficarão ali... não voltarão para casa. Quando derem as dez, os meninos da praia ficarão ali, não voltarão para casa. Como os automóveis, os candeeiros públicos, como os gatos e as calçadas, como as lojas e as caixas de correio, como lixo pelos cantos, como os cães, tentando viver... vivendo.
Desde a asfixia e a altura vejo o medo da cidade adormecida. Nada se intui, no ar, sobre a violência em que tudo gira. A Colômbia avança e o mundo não sabe nada... e se sabe, esquece... e tudo continua girando. Morrer diariamente é parte da vida. Filho da dor, que se pendura nos automóveis e respira a escuridão crescente da noite. Filho da noite sem nada a que agarrar-se... perdido na cidade, já é parte da paisagem... como os automóveis.
A muitas horas de casa olho a luz da cidade torcida, a imensidade do bairro, a multidão que respira o ar poluído. A muitas horas de casa outro olhar nos observa... a “Serpente emplumada” ficou presa e agora é luz cativa.
Filho da dor fazendo piruetas a troco de migalhas ou moedas. Filho da dor, que brinca a fazer-se de grande, ausente do amor, já é parte da rua... como os automóveis.
"Niños" - Pedro Guerra/Julieta Venegas
(Pedro Guerra)
8 comentários:
Esta canção é maravilhosa, como, aliás, são maravilhosas as canções de Pedro Guerra. E Julieta também é muito boa.
Parabéns, Samuel, sempre garimpando coisas boas. por falar nisso, você conhece a versão de julieta para "Corre, Dijo la Tortuga", de Sabina? procure no youtube. Muito boa.
Abração do lado de cá,
Léo.
Samuel
Cá estou eu e já ouvi o que aqui puseste. Digo-te que arranjas-te "freguês" para os domingos. Esta música, muito bela, fez-me lembrar a qualidade de "ministra" da (des)cultura que ganha o seu ordenado neste país, tão pobre e mesquinho, onde o que é português não é promovido e vai desaparecendo aos poucos e o povo, apesar de até a saúde lhe roubarem, continua a votar nos próprios ladrões.
Vitor sarilhos
Olá Samuel.
Gostaria que apresentasse esta música, pela sua força e que desgraçadamente está bastante actual.
Inti-Illimani Quilapayún - El Aparecido
Bom trabalho
Gabriel
Léo Nogueira:
Obrigado pela pista... é uma bela versão!
Abraço.
Arcanjo:
Então... um dia deste será. Também gosto muito!
Abraço.
Tão belo quanto esquartejante.
É assim a pobreza no seu lado trágico e tão... mágico!
Maria Pereira
Comovente e revelador. Lindíssima canção.
Um beijo.
Obrigado por estas revelações.
Um abraço.
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