Devo confessar que, não poucas vezes, o excesso de “sofrimento” facial evidenciado por alguns executantes de música, que pode ir da chamada erudita ao jazz (muito dele não menos erudito), tende a deixar-me em stress. Na verdade, ao topar três ou quatro daqueles “sofridos” esgares, que me soem a falso... desmobilizo e tenho o concerto estragado, o que por vezes até é injusto para os executantes, alguns excelentes, mas que, infelizmente para mim, decidiram juntar ao show aquele extra de encenação, para impressionar o público.
Sendo assim, adoro aqueles que verdadeiramente se esbandalham a tocar, como era o caso do Carlos Paredes, ou como é o caso de Keith Jarrett, sem, por um momento que seja, tentarem enganar ninguém... e amo os outros, aqueles que, independentemente do virtuosismo técnico, partilham connosco o enorme prazer de tocar um instrumento. Aqueles que, despudoradamente, tocam música, seja de quem for... como se fosse sua.
E assim chegamos à convidada de hoje, a chinesa Yuja Wang, que no próximo dia 10 deste mês completará 24 anos. A jovem Yuja nasceu em Pequim, onde começou a estudar piano aos seis anos; aos catorze mudou-se para o Canadá, para continuar os estudos... e hoje mora por aí, nos ouvidos de muitos e nos corações daqueles mais atreitos...
Desde que vi este concerto (num canal de televisão que vale a pena) e depois consegui encontrar o vídeo, ainda continuo a não saber o que dizer, a não ser que é muito raro ver uma coisa assim. A Yuja Wang, mais do que tocar como se a música fosse dela, toca-a como se estivesse a compô-la em tempo real, para nós, ainda improvisando algumas passagens e revelando um gozo ao fazê-lo, uma felicidade e um tão desconcertante prazer físico... que pode até ser constrangedor para algum espectador mais puritano.
Não deixem de ver o segundo vídeo, em que a Yuja, ainda criança, toca exatamente a mesma peça, ainda com um "som" de estudante, pose de menina-prodígio... mas revelando já alguns dos tiques de interpretação que viria a aperfeiçoar com o tempo, como é o caso, por exemplo, da maneira de tocar (lá à moda dela) logo o terceiro e o quarto compassos...
Bom domingo!
“Valsa, Op. 64 Nº2” – Yuja Wang
(Chopin)
“Valsa, Op. 64 Nº2” – Yuja Wang (10 anos)
(Chopin)
15 comentários:
esqueceste-te da "reza" dos não sei quantos anos de trabalho, que são mais importantes (?) que o talento?... sei lá!... qualquer tolice assim do género! :))))
agora a sério: é Fantástica! já o havia dito.
vovómaria
Obrigado.
Obrigado, amigo Samuel.
Estes são momentos raros a que a TV que se diz de todos nós nunca nos brinda, se calhar até um dia...
Um abraço e bom Domingo.
A beleza interpretativa e suave das "manitas" já lá está aos dez anos. Depois é todo um interpretar dilatado e bebido de emoção...
Gosto deste blog, já o disse, por razões várias e também por este trazer de beleza, pela manhã...
Obrigada.
Os dedos tocam nas teclas ou é uma mente poderosa a fazer vibrar as cordas?
Aquelas maõs,como que a voar sobre o teclado,lembram Maria João Pires,Belgais,Chopin num mundo melhor.
Uma doce carícia.
Um abraço,
mário
Obrigado Samuel, por este maravilhoso momento que decidis-te proporcionarmos neste Domingo.
Prara ver a menina a tocar e a naturalidade da sua expressão, e ouvir Chopino à tarde cá estari.
Bom domingo para ti, também.
Com coisas destas... só podemos ter um bom domingo.
Um abraço - e bom domingo...
Bom domingo com muita arte e muita inspiração.
Cumps
Não sei se já falei aqui de uma história interessante com uma menina-prodígio, violinista, de quatro anos. Alguémm que a ouviu, siderado perguntou a um violinista famoso como era possível tocar assim. O violonista respondeu: "Porque ela não sabe que não é possível."
Esta também não sabe que ninguém pode tocar daquela maneira...
Daniel
As mãos deslizam sobre as teclas e nós evadimo-nos para um mundo de harmonia e paz.
Tão lindo!!!!!
Um beijo.
Samuel, obrigada por me mostrares estas mãos-asas que me fizeram voar durante 4 minutos. E vou voar outra e outra vez...
Bem, aí está algo que faz valer a pena o dia.
Nada mais fácil para uma menina: Mostrar que a música é a primeira arte do mundo. Têmo-los visto no circo; no bilhar de snocker; aqui na música; na ginástica; etc... e agora continuem a dizer que é um pais de atrasados. Será que os atrasados são eles ou nós que nem na televisão vemos coisas destas?
Vitor sarilhos
Amigo Samuel, a propósito de concertos de piano, dá uma olhada nesta cena verdadeiramente impressionante com a Maria João Pires:
http://www.youtube.com/watch?v=CJXnYMl_SuA&feature=related
Anónimo (11:47):
"Apavorante"... e muito bom!!! :-)
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