"Com os ciganos aprendi a tocar guitarra e a fazer umas pequenas aldrabices... as grandes aldrabices nunca são feitas pelos ciganos!"
Esta é uma frase habitual do cantor Paco Bandeira e que lhe serve há mais de trinta anos para nos espectáculos fazer a introdução à cantiga "Marilúcia" (...era a moça mais bonita das ciganas), cantiga que (entre outras) lhe garantiu a amizade sem reservas da comunidade cigana em Portugal.
Eu não tenho competência para analisar as gerações de asneiras sociais, políticas, humanas, urbanísticas, etc, que levaram à idealização e construção à volta das grandes cidades, cá como noutros países, desses monumentos à intolerância e racismos de todos os tipos, disfarçados de assistencialismo e preocupação social, que são os vulgarmente chamados bairros "sociais".
Pessoalmente, lamento que um povo historicamente ligado a uma noção de indomável liberdade, cultura própria por vezes com manifestações brilhantes, por força de tantas caras e portas fechadas, Santas Inquisições, Holocaustos, incompreensão e o nosso imenso medo do desconhecido, se tenham deixado aprisionar pela triste imagem que alguns dos seus dão, uma imagem de criminalidade, pedinchice hipocritamente humilde, hábitos de violência, problemas com droga... que a nossa sociedade se encarrega de colar como rótulo em toda a comunidade, como faz aliás com todas as "diferenças", sejam pretos, árabes, ciganos, etc, os quais são quase sempre "todos" uma coisa qualquer e quase sempre sempre má.
Adoraria ter uma solução para estes problemas... mas não tenho. Para manter o espírito aberto e ajudar a acalmar uma certa paranóia securitária que sempre se instala nestas alturas, fico-me por esta ideia que não passa de um desenvolvimento "à minha moda" da tal frase do Paco Bandeira com que comecei.
"As grandes aldrabices nunca são feitas pelos ciganos!"
Pois não!... Alguém ouviu falar de algum cigano ligado àquele negócio de quase 500 milhões em material de comunicações que afinal valia um quinto?
Alguém viu algum cigano a negociar compras de submarinos para a Marinha Portuguesa?
Algum cigano passou recentemente de algum Ministério directamente para o Conselho de Administração de alguma empresa com que "despachava" enquanto ministro, especializada em, sei lá... Lusopontes?
Algum cigano esteve embrulhado no negócio da concessão do Casino Lisboa?
Agora podia ficar aqui um bom pedaço de tempo a acrescentar histórias em que nunca vi ciganos, mas a hora vai tardia. Repito, não tenho soluções para os problemas das minorias, mas uma coisa de que gostaria (quem sabe... um princípio de solução) era de não ver os nossos "responsáveis" tratarem estas comunidades como peças de quinquilharia que se podem mudar daqui para ali e depois para acolá... até ficarem a "dar com a decoração".
18 comentários:
Muito complicado, muito complicado.
O Paco Bandeira aprendeu a tocar guitarra com os ciganos, eu aprendi outras coisas menos musicais, embora também artísticas, com os ciganos.
Com coragem é preciso dizer-se que esta situação é lamentavel sem atribuir as culpas a nenhuma das partes, mas que, mais do que as outras comunidades, a comunidade cigana tem enormes dificuldades em socializar-se e integrar-se na (má ou boa) sociedade em que nos inserimos.
Eu, por mim, julgo que esta não é a sociedade perfeita, nem pouco mais ou menos, mas lutando contra o modelo existente não deixo de ser um cidadão cumpridor das minhas obrigações fiscais e outras tais.
Será justo afirmar-se que os ciganos são vítimas de racismo ou de perseguições em Portugal quando se nota amiudemente que em muitos casos a recusa em colaborar com a legalidade é insistente?
Será justa a reinvidicação de casas novas quando já têm uma que não foi comprada, não pagam renda em muitos casos e, provavelmente nunca descontaram um único cêntimo para qualquer sistema contributivo?
A Constituição portuguesa diz que todo o cidadão deve ser tratado de forma igual independentemente do seu credo, raça, condição social, etc.
Não haverá aqui um tratamento diferenciado pela positiva em relação à comunidade cigana em detrimento de outras comunidades?
Sabemos de antemão que a tradição cigana é a de um povo nómada, não sedentário. Impôr a fixação de pessoas que estão habituadas a um estilo de vida completamente diferente é no mínimo complicado e problemático, tanto para as próprias como para as outras. Não creio que sejam felizes neste estilo de vida imposto pelo sistema vigente. Aliás, creio que muito de nós não o somos, a diferença é que, ao contrário dos ciganos, ainda conseguimos ter alguma capacidade de adaptação.
Trata-se apenas de antropologia social.
Saudações do Marreta.
Na mouche, como sempre, Samuel.
Beijos
Brilhante, a questão de fundo está aqui muito bem retratada, e no comentário do marreta - a imposição pelo sistema, de um estilo de vida que nada tem que ver com eles e por arrastamento todos os comportamentos desenvolvidos. Digo eu, que trabalho com eles.
Nessas negociatas de que falas não entrou nenhum cigano, nem nenhum africano. Houve muitos erros nos famosos PER, que só muito mais tarde começaram a vir à tona. Mas "este" realojamento foi, é, muito especial...
As tentativas de "reintegração social" de grupos minoritários em tantos sítios continuarão a trazer problemas... sociais.
Abreijos
Afinal o post é sobre os ciganos. ou sobre os mais ciganos que os ciganos?
É que apesar do nome a diferença é muito grannnnnnnnnnnnnnnnnnnde!
de qualquer forma não recomendo nada que se tenha uma troca de galhardetes mais azeda com ciganos. no instante seguinte sai-nos toda a família pronta ao homicídio do próximo, numa atitude que tem bastante de criminosa. e não é com os portas que eles se metem.
Perfeito! demolidor!
Parabéns e abraço.
E que tal um bocadinho de Federico Garcia Lorca a acompanhar! Do seu Romancero gitano.
Oh, ciudad de los gitanos!
Quien te vió y no te recurda?
Que te busquen en mi frente
Juego de luna y arena
Faltou o abraço (e bem merecido!)
Racismo, puro, duro e revoltante!
É tão fácil "arrumá-los" em ghetos e depois colar-lhes rótulos!
há ciganos e ciganos. os que me preocupam são os que nos têm governado.
Ai que saudades de te ler...voltarei meu amigo! Um abraço ENORME à vóvó Maria...
Abreijos...
Que saudades do tempo em que nos dias de feira, em Serpa, os ciganos ficavam acampados mesmo frente a minha casa. A convivência era optima. Á noite e porque a televisão era ainda novidade, alguns ciganos iam para minha casa, sentavamo-nos todos no largo, a televisão junto à janela e eram noites de convivio.
Saudades da Elizabete Cabeças minha amiga de infancia e confidente dos meus amores.
Nestes casos sugiro
janelas abertas
portas escancaradas
para o sol entrar
e sair
há ciganos e..ciganos!
um abraço
É evidente que estou de acordo com o texto. Estou de acordo e aplaudo. Só não aplaudo aqueles que opinam ou "blogueiam" escondendo no medo a sua identidade. Afinal, de que têm medo? De que a sua subserviência seja posta em causa?
Parabéns pelo post (invejo a tua inspiração...)
já agora passa pelo Mar, que tens por lá algo parecido com ciganos. São romenos (bom sinal..) e chamam-se Taraf de Haidouks. Estou certa que não só conheces, como gostas. beijinhos
Samuel, desculpa responder à Sal através deste teu post.
Sal: os Taraf de Haidouks (além de serem romenos) são mesmo ciganos. E a negociata deles é mesmo a música a um alto nível de inspiração (e de velocidade, muitas vezes!)
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