domingo, 10 de novembro de 2013

"Ranking" de escolas - Receita para uma fraude


Tomem-se quatro escolas.
1. Um colégio privado de luxo, caríssimo, frequentado exclusivamente pelos filhos da alta e altíssima burguesia, recheado de betinhos e betinhas com as vidas já apontadas para os cursos superiores que têm já o pai, a mãe, os irmãos mais velhos, todos estes com capacidade para enquadrarem e apoiarem os jovem estudantes, servidos em casa por empregada que lhes confecciona os lanches a horas (ou tira os caroços das cerejas, como fazia a empregada da “infeliz” mandatária para a juventude de José Sócrates), que têm nos seus quartos individuais computares topo de gama, etcetcetcetc... ad nausea.
2. Um colégio privado daqueles que vivem do roubo que alguns oportunistas organizaram, no sentido de desviar do ensino público as verbas que permitem a alunos que, embora com menor “poder de compra” ainda têm um ambiente familiar propício ao seu desempenho escolar e actividades lúdicas e transportes confortáveis para a escola, proporcionados pelos tais fundos roubados aos alunos mais necessitados do país.
3. Uma escola pública situada, digamos, numa pequena cidade ou vila do interior, onde tudo fica perto, onde a escola fica à distância de apenas uma ruas, permitindo o gozo de tempos livres entre amigos e família, em segurança e com qualidade de vida. Uma escola onde os mais pobres têm lugar, apoio público, em alguns casos, transportes fornecidos pela autarquia... e onde a meia dúzia de casos “complicados” vindos de famílias desfuncionais e outras realidades semelhantes, estão devidamente identificados e acompanhados.
4. Uma escola pública do subúrbio de uma grande cidade do litoral, com a sua mistura feita de muitas centenas (quando não são milhares) de alunos provenientes de famílias de trabalhadores do estado, de trabalhadores do privado com poucas posses, pescadores, operários, alunos vindos de todo o lado, desde bairros pacatos, aos chamados “problemáticos”, representando várias etnias, várias culturas, várias “línguas-mãe” e um empenhamento na aprendizagem que pode ir do razoável até ao zero.
Em todas estas escolas há excepções. Em todas há estudantes estúpidos como portas. Em todas há miúdos geniais... independente da ajuda ou do travão constituído pelo seu meio ambiente social e familiar.
Posto isto... digo eu, que pouco entendo de pedagogia, que não há forma de comparar estas escolas! Não há uma forma de juntar todas estas realidades diversas, a que se pode juntar a motivação, ou ausência de motivação de um corpo de docentes sujeitos diariamente a este habitat, que pode ir do prazeroso ao terror, da realização pessoal e profissional à humilhação das agressões sofridas dentro da sala de aula... e estabelecer uma classificação (ou ranking, que é mais fino) minimamente credível. A única forma de fazer uma hierarquização minimamente séria de escolas, nestas condições, seria levando a cabo estudos de uma tal complexidade que, a chegarem a algum lado, não seriam “legíveis” por pessoas fora do sistema.
Resultado: atiram-se os dados todos para dentro de um computador, mistura-se tudo, divide-se pelo número que tiver que se dividir... e dá um “ranking”. Ainda por cima, no caso deste “ranking” com que agora não se calam, recorreram apenas às médias das notas nuns exames... o que nunca servirá para definir uma escola, em toda a sua complexidade, mas apenas os alunos que fizeram esses exames específicos.

Desculpem estar a (tentar) ocupar um espaço tão grande do vosso domingo com esta divagação pela qual, provavelmente, pouco interesse terão, embora isso não me faça sentir sozinho, porque felizmente não estou... mas tudo isto vem a propósito de uma cena vista num canal de televisão, durante um noticiário.
Um senhor (de quem não fixei o nome) com ar moderado, sereno, dando mostras de dominar os temas de que estava a falar, explicava por palavras de uma simples e clara erudição, tudo isto que eu acabei de vos dizer desta minha forma atabalhoada, tentando demonstrar que um “ranking” de escolas, a ter alguma vez alguma utilidade (isto já sou eu que digo), teria que ser feito honestamente, separando o que não é miscível... não comparando o que é incomparável.
O pivot da televisão, sem o deixar sequer acabar o raciocínio, atira-lhe, cortante, e num tom de pouquíssimo velada censura:
- Quer dizer que o senhor está a desvalorizar estes números?!!!
E o “senhor”, realmente como um senhor, disse que não… e repetiu praticamente tudo o que tinha dito antes... mas numa linguagem própria para ser usada num infantário.
Atendendo ao facto de que o negócio do ensino privado envolve muitos milhões e que, não poucas vezes, roça a falcatrua, a fraude, a corrupção (é sempre bom ver, ou rever este trabalho jornalístico sobre o tema!), é evidente que esta teimosia em repetir que no “ranking” das escolas, as primeiras não sei quantas da lista são escolas privadas, constitui um gigantesco anúncio publicitário, a valer muito... e que alguém paga.
Resta saber quantos jornalistas e comentadores o fazem de forma corrupta, ou quantos apenas não se importam, para agradar aos patrões... de se fazerem passar por estúpidos.

13 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Bingo!
Bingo, caro camarada e amigo!

Anónimo disse...


não! não estás sozinho.

vovómaria

Unknown disse...

Isto tudo é uma fraude sem respeito nem vergonha.
Dêem as mesmas oportunidades a todas as escolas e verão que o saber não é exclusivo de alguns.
Verão que pagam menos e que servem mais. Precisam apenas de saber ver e saber trabalhar.
Um testemunho que devia ser lido por todos para saber como eles manobram a nossa sociedade e educação...

Anónimo disse...

O ministro é rasca e esconde-se atrás dos ranquingues (?), não deixam os professores trabalharem naquilo que é a sua função - ensinar. Depois fazem uma salada para falsear dados.
Fora com gajos destes...

Anónimo disse...

Isto é tudo uma vergonha. Comparar os resultados de uma qualquer escola publica com as escolas pagas a bom dinheiro é pelo vergonhosa. Só pessoas de má fé o fazem. Este Governo e as suas agências de notícias é uma cambada de fascistas que só pretendem enganar e explorar o povo

Anónimo disse...

Fico mesmo nauseada quando entram os rsnkings de escolas nas notícias e,marteladas desta maneira,chego ao vómito. Querem meter-me as garras nos olhos|Comparar o não comparável?
Tenho 36 anos de ensino na vida.
Vivi muito e vi muito.Só um exemplo singelo; organização de turmas segundo e idade dos alunos "para que estivessem mais próximos nos seus interesses".Muito bem.Não fossem os mais velhos resultarem de sucessivos insucessos na então escola do ensino primário e até se compreenderia.Este processo fazia logo ali uma triagem escondida.Depois ainda havia as turmas do turno da manhã e as do turno da tarde.Aí,para além das condições que implicavam a colocação dos alunos nos turnos,ainda havia as condições de trabalho alteradas por um pós almoço um cansaço natural no aluno acordado às horas dos pais e mais fatigados ou menos frescos para as atividades.Etc,etc.E se a escola se lembrasse de fazer um ranking das turmas? Às vezes havia uns benditos quadros de honra aqui e ali para desespero de muitos humilhados...Já ocupei espaço precioso,e já estou com borbulhas.Kinkas .

Anónimo disse...

Não há uma gralha? Onde escreveu "Em todas há estudantes estúpidos como portas" não era "Em todas há estudantes estúpidos como o Portas"?

Anónimo disse...

Também resta saber quantos são mesmo estúpidos. Ou nunca reparou numa "piquena" que é grande repórter numa publicação que lhe deve ser bem familiar e que alia à franca e aberta propaganda pró-banca com uma estupidez natural tão cândida que suscita gargalhadas, repulsa e vergonha por tal gente ter emprego nos jornais (se bem que não carteira profisisonal)

Fenix disse...

Os governos e os jornalistas ainda não se deram conta de que estão a falar para uma população mais informada do que há 30 anos atrás. Em 2010 encontrei por acaso o meu prof. de filosofia, que leccionava ainda na escola particular, de onde eu, por motivos económicos tive de sair para ir frequentar o 12º na escola pública (eu já era adulta e o meu curso pós-laboral). Falámos do ensino e às tantas ele disse-me que nas reuniões para atribuição de notas, o director lembrava-os sempre, que não podiam perder clientes!!

Reaça disse...

Colégios e Universidades privadas a produzir doutores como cogumelos?

Subsidiados pelo Estado?

Está explicado porque já não há pastores, foram todos para doutores.

Porque não ser Reaça?

Ora porra!

Pintassilgo disse...


Já provei à saciedade que não sou fascista, mas nos tempos de Salazar os alunos dos privados tinham que ir fazer exame ao Liceu Nacional e alié que se via quem eram os bons. Normalmente os dos liceus porque nestes os professores eram licenciados e na naioria dos colégios eram professores com os cursos incompletos. Claro que os exames eram iguais para todos.

augusta disse...

Uma fraude. Uma desonestidade. Uma vergonha.
Comparar o que se não pode comparar. quantificar o que não se pode traduzir por um número.
Não, Samuel, não estás sozinho. Se há coisas que enquanto professora e cidadã "mexem" comigo é esta falcatrua dos rankings e tudo quanto lhe está associado. Muito teria para falar...
"Receita para uma fraude" - o post diz tudo

Graciete Rietsch disse...

Eu acho mesmo que esses números são para desvalorizar, pois não se pode comparar o que não é comparável.

Um beijo.