terça-feira, 26 de maio de 2009

Jornalismo de tasca





Nos tempos que correm, os jornalistas são todos doutores. Os mais “aptos” estão ao serviço das agendas políticas e económicas dos seus patrões. A grande maioria está para o que der e vier... e alguns, poucos, resistem à ideia feita de que receber um ordenado em troca do seu trabalho, inclui a venda da alma.

O trabalho da tal maioria é indigente todo o ano, mas quando, por qualquer razão, a actividade política aperta, como é o caso nas campanhas eleitorais, eles aí estão em todo o seu esplendor!

Enquanto os tais mais “aptos” se concentram no trabalho sujo que requer alguma perícia política, a maioria alastra pelo terreno das televisões e jornais como sacos de plástico no final de uma feira, sujando tudo indiscriminadamente. Alguém lhes meteu na cabeça que para fazerem figura de “independentes”, têm que se multiplicar em reportagens e artiguinhos onde descrevam todos os passos dos políticos, sejam de que quadrante forem, de forma desrespeitosa, escarninha, muitas vezes ofensiva. Alguém lhes meteu na cabeça que para se mostrarem “independentes” têm que se mostrar não contra este ou aquele político, mas contra todos... e se possível, mesmo contra a política em geral.

Se um candidato, de qualquer partido, fala de um tema que possa parecer sério, logo se apressam a fixar um qualquer pormenor anedótico do dia, da assistência, da roupa. Como “doutores” que são, a ignorância e analfabetismo das pessoas que vão encontrando pelo país, é sempre um prato forte que adoram e servem até à indigestão a todos os telespectadores ou leitores, ao mesmo tempo que ignoram arrogantemente os reais problemas dessas mesmas pessoas.

Assim, rapidamente, todos os assuntos ficam reduzidos a umas “bocas” típicas de conversa de tasca, onde “eles são todos iguais”, onde “eles querem é poleiro”, onde, como à boa maneira fascista, “a minha política é trabalhar”.

Não tendo sequer noção dos efeitos do seu “trabalho jornalístico”, dada a ignorância de dimensões verdadeiramente bíblicas de que são possuidores, são na verdade os mais perigosos para a democracia. Transformam tudo o que tocam em lixo, afastam da participação política milhares e milhares de pessoas.

Como disse (lá longe!) ao princípio, alguns poucos resistem, em nome de um jornalismo digno, em nome da liberdade, em nome do futuro, em nome de uma profissão que pode ser um grande serviço público.

Quanto tempo levará até que voltem a entrar nas redacções dos jornais, revistas e televisões, verdadeiros jornalistas, talvez com menos destes inúteis “doutoramentos”, mas com muito mais cultura, personalidade, formação cívica, convicções e talento?


Adenda: Não, não me esqueci de que talvez o mais importante seja libertar os órgãos de informação das garras de muitos dos que os detêm... ou talvez mais importante ainda, fazer o que estiver ao nosso alcance para voltar a ter mais media que não esteja nessas mãos. Claro que não me esqueci! Isso está na base de tudo!

11 comentários:

Maria disse...

Quando ao comunicação social estiver ao serviços de Abril...???
Olha só o trabalho que temos (e continuaremos a ter) pela frente...

Abreijos
(já agora, não há migas?)

cetautomatix disse...

É. São como a pedra filosofal mas ao contrário.
Uma boa referência ao fenómeno da comunicação social dominante como agente de corrosão da democracia: http://www.thirdworldtraveler.com/Chomsky/Necessary_Illusions.html (em inglês apenas, infelizmente)

Tiago R. disse...

Estando de acordo com a situação que descreve, penso que é preciso algum cuidado para não confundir a árvore coma floresta.
É preciso lembrar que a maior parte dos repórteres neste país são trabalhadores precários (e por isso facilmente pressionáveis, ou volúveis à auto-censura para manter o emprego) e constituem a maioria nas redacções, enquanto os "jornalistas" do quadro, são uma pequena minoria, muitas vezes subserviente e atenta aos ditames da direcção.

Depois, uma questão de fundo é a alteração de quadros mentais em relação ao problema central do valor-notícia. O que é que constitui notícia, o que é que interessa.
E, infelizmente, o valor da responsabilidade social, da preocupação social, pedagógica dos meios de comunicação foi suplantada pelo valor comercial da notícia. Já não a questão se a notícia é ou não socialmente útil ou produtiva, mas se a notícia prende, se a notícia vende.
Os (ou melhor, muitos) jornalistas abandonam assim a preocupação de serem participantes activos da mudança social, tornando-se vendedores de informação.

Mas na época em que vivemos, poderia ser de outra forma? A mercantilização de todas as esferas da actividade humana ia, naturalmente, invadir também a comunicação social.

Agora, a questão é transformá-lo...

Anónimo disse...

Ainda há pouco escrevia a um amigo sobre este assunto, àcerca da (não) divulgação da Marcha.
Só que longe deste brilhantismo...
Rui Silva

salvoconduto disse...

Causa-me muito mais impressão os agora chamados "comentadores" que para além de opinarem sobre tudo multiplicam-se que nem sarna...

Abraço.

Antuã disse...

Nas tascas por vezes falava-se de coisas sérias, estas coisas autodenominadas jornalistas são apenas lixo. As excepções que ainda não foram saneadas confirmam a regra.

Justine disse...

A comunicação social é hoje em dia quase totalmente veículo de propaganda dos detentores do poder. Como tu dizes, é preciso criar alternativas, cada vez mais, para que outras vozes se ouçam. Para que cada vez mais gete acorde...

Anónimo disse...

o problema talvez seja, que o jornalista por «mui nobre» profissão que tenha, tem que muitas vezes alimentar uma família, e quantas vezes terá que escrever sobre aquilo em que não vê relevância alguma, mas infelizmente, é vendável.
os senhores comentadores saberão por acaso o que é passar as horas do dia, concentrando-se, pesquisando, escrevendo, sobre assuntos, politiquices, «novelas», sem algum interesse e por vezes com repugnância até, porque é vendável, porque é rentável?? podem dizer - mudem de profissão, de profissões, (não é tão fácil fazê-lo como dizê-lo) mas como dizia um miudo um dia destes «don't judge me, you don't know how I fell or how it is like to be me..»

Anónimo disse...

p.s
1. parabéns pelo seu espaço, é uma delicia.
2. é «feel» não «fell»

Fernando Samuel disse...

esses se pode dizer o que da aranha se diz: «tudo o que toca empeçonha»...

Um abraço.

samuel disse...

Maria:
Muito, muito!
Dás uma apitadela e lá vamos a elas, mesmo sem pretexto nenhum, o que por vezes ainda sabe melhor.

Cetautomatix:
Pedra filosofal ao contrario... é bom! ☺

Tiago R.:
Não confundo! Mesmo assim, não consigo ser mais solidário com os “pobres” jornalistas, do que com os milhares de vítimas das políticas levadas a cabo pelos seus patrões.

Rui Silva:
Nada deve ficar por dizer...

Salvoconduto:
Cogumelos... alguns venenosos, outros levam apenas ao delírio.

Antuã:
Quantas conversas bem importantes para o país, em tascas, cafés e tertúlias várias...
Infelizmente, a maioria foi transformada em bancos.

Justine:
Como o fazer é que é o dianho...

Anónimo:
É compreensível... e também compreensivelmente é razão para dar ainda mais valor aos que não se rebelam.
Obrigado pela apreciação!

Fernando Samuel:
Tantos, infelizmente! Tantos!


Abreijos colectivos!