domingo, 2 de agosto de 2009

A rosa imaginária...



Disse que voltaria ao poeta António Cardoso, um dos GRANDES, para usar a definição do Fernando Samuel, quando aqui comentou a Sarita. Voltar a António Cardoso é revisitar aquela noite de Luanda, que não me sai da memória. Noite com matéria prima para noites infindáveis. Noite vivida com ele, com o poeta António Jacinto, com o poeta Manuel Rui Monteiro, com o mano mais novo do Rui Mingas (que não pôde estar), o André Mingas, outro muito jovem cantautor que nos mostrava timidamente a sua (quase) primeira cantiga, “Velha Chica”, de seu nome Valdemar Bastos, os petiscos tão estranhos quanto bons, inventados pelos amigos e amigas do Alexandre Vieira (o anfitrião), regados com cerveja conseguida no “esquema”, essa entidade misteriosa que nunca cheguei a entender... e nós: eu, o poético Manuel Branco, o musical e jornalístico Nuno Gomes dos Santos e a bela e teatral Helena Isabel.

Noite inesquecível, ponto alto das 17 noites e dias em que andei por lá, ouvindo, cantando, olhando tudo, tentando fazer as pazes com um passado que não vivi.

Lendo este poema com que regressamos a António Cardoso, é seguro afirmar que ele nunca terá perdoado ao “Velho Histérico” tudo aquilo por que passou nas prisões do fascismo português e muito menos os dias e noites sem fim em que não pôde entregar ao seu amor a sua “rosa imaginária”.

A rosa imaginária...

É preciso que fique escrito
antes que a tua baba peçonhenta
nos corrompa a palavra
de ti, só se ouvirá no fim da noite
o ranger de dentes
que teu ódio acalenta
inútil e partido!

Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?!

Acordar todas as manhãs
com a rosa imaginária
que não dou ao meu amor??

Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?
nessa catacumba
de esqueletos onde moras?!

Sabes Velho Histérico
onde está o ventre de mundo
que seria um dia, o meu?!
Aonde está a criança
que não nasceu
nesse ventre de mundo
que seria, um dia, o meu??

Berra Velho Histérico
ainda
a tua ordem
enquanto não chega o vento!

Berra Velho Histérico
na rádio e no jornal
ainda
a tua ordem
enquanto montado no vento
não chega o fim da noite!

... e a rosa imaginária
que vou dar ao meu amor...

[António Cardoso - Panfleto (poético)]

7 comentários:

XICA disse...

E nós cá estamos muito atentos para impedir o ressuscitar desse "velho".
Um abraço grande

beta disse...

Poderia ser "A Las Cinco de la tarde", mas na realidade é sempre ás 00.01 e eu espero por essa hora todos os dias.
Quando passo por aqui mais cedo, vou a outros amigos ver as vistas ou lavar os olhos ou mesmo lavar a alma, mas sempre á espera que chegue as 00.01! Assim que essa hora chega, volto aqui e...
É sempre bom, caramba!
Então quando conheço o que não conhecia ou aprendo o que não sabia, é uma delicia. Como hoje!
Obrigado Samuel
Amanhã, ás 00.01 cá estarei camarada.
Até lá, um abraço

Maria disse...

Que boas memórias nos trazes aqui! A propósito, não sei por onde pára o Manuel Branco... dir-me-ás um dia destes :))
Belo este poema que não conhecia. Ou já não me lembro, o que significa que tenho de ir lá à estante dos autores angolanos, um dia destes...

Abreijos daqui para aí :))

duarte disse...

estou de volta e ... um poema que me revigora!
que nos leva a lutar por tudo que achamos justo, pelo tempo que nos roubam...
E eu prá ki a queixar-me!
Não , não deixaremos que esses belhos nos dominem, enquanto houver poetas, pintores, cantores, e muitos outros artitas a intervir!!
Sem essas noites vividas, mas com outras na memória(que tende a esconder-se atrás de um presente cada vez mais negro), onde reinavam e reinam a camaradagem a espontaniedade a simplicidade a vontade de dar e parilhar, despeço-me.
um abraço do vale em plena colheita.

Fernando Samuel disse...

Belíssimo, pois claro...

Um abraço.

samuel disse...

Xica:
É fundamental!

Beta:
Até lá!
Mais uma vez digo: se me deixam “sem palavras” o que é que faço? ☺

Maria:
É a memoria de uma noite luminosa.
Também não sei do Manuel Branco, infelizmente...

Duarte:
O “velho histérico” deixou herdeiros... mas não vencerão!

Fernando Samuel:
Muito!


Abreijos colectivos!

Maria disse...

Olá, Samuel!
Também gostava de saber do Manuel Branco. Conheci-o no Lobito, enquanto militar, de férias. Corria o ano de 1972. Terminadas as férias, trocámos correspondência, que guardo carinhosamente, pois já denunciava a sua grande alma de poeta; e fotos, uma delas linda, pegando num negrinho recém nascido que ele "aparara" numa tenda no mato. Muitos dos negrinhos que ele, como enfermeiro militar, ajudou a vir ao mundo viriam a ser seus afilhados e... Manuéis, como o padrinho.
A si, Samuel, dou os meus parabéns pelos excelentes "recados" com que nos brinda, com ilustrações oportunas e de grande qualidade, neste que é um dos melhores blogues a que tenho acedido.
Bem-haja!

Maria Pereira