terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Os abutres


Sempre que é preciso que faça uma, ou várias canções, para este ou aquele fim, para “dar” a alguém para cantar ou gravar, para uma peça de teatro ou um musical, para juntar ao meu repertório, se necessário, como foi recentemente o caso do espectáculo de homenagem ao Manuel da Fonseca, em que me apeteceu ter uma cantiga original para estrear... sempre que é preciso, como dizia, não sou atacado pelo “pânico da página em branco”, antes pelo contrário.
Sempre que sou desafiado por qualquer uma dessas situações - a ideia de nos próximos meses gravar um CD de originais é um desses desafios, já que estamos no ano em que faço 40 anos desta aventura – acabo por fazer as canções de rompante... e uma vez por outra até gosto dos resultados.
Sendo assim, resulta sempre confuso para muitos amigos, qual será a razão para eu não ter para aí uns vinte ou mais discos de longa duração. Lá tenho que repetir que a preguiça não explica tudo, que não faço questão de apenas cantar canções escritas por mim (como já se percebeu), que o meu interesse primeiro nesta coisa das cantigas é exactamente cantá-las, ao vivo, que os discos têm, para mim, uma importância muito modesta e, o mais importante, que a minha relação com o mundo do comércio da música foi sempre muito fria. Chega mesmo, nalguns casos, a envolver algum asco.
Como tenho sempre a impressão de que há quem fique na dúvida, mesmo depois destas minhas explicações, há sempre, infelizmente, estórias que vêm confirmar as razões da minha frieza para com a indústria fonográfica em particular, e o “showbizz” em geral... como esta:
A multinacional “Sony”, para a qual gravava a cantora (e autora) norte-americana agora falecida, Whitney Houston, tentou sorrateiramente aumentar o preço dos discos da infeliz, passando pela vergonha pública de se confirmar como membro ativo do bando de abutres que, sem hesitação, mergulham em voo picado sobre os cadáveres de qualquer artista.
Ora, que as vendas de um disco aumentem muito quando o artista morre, ainda por cima em condições chocantes... entende-se. Há sempre quem, mesmo gostando, sempre tenha adiado a compra “daquele” disco, há quem faça questão de poder passar a mostrar que também “gostava muito”, mesmo que nem assim ponha o disco a tocar alguma vez. É um fenómeno incontrolável.
Agora repor à venda discos cuja produção já foi paga e mais que paga, portanto, ficando mais baratos do que as edições iniciais... e ainda por cima, aumentando-lhes o preço, é uma canalhice abjecta.
Claro que, vendo a indignação pública que o gesto causou, já vieram dizer que tudo não passou de um engano... fazendo a outra coisa em que as editoras são muito boas, para além de explorar os artistas: fazer passar o público por parvo. Está mesmo a ver-se que uma editora multinacional, para a qual gravam milhares de artistas de todo o mundo... ia “enganar-se” no preço de vários discos antigos e em armazém... e que só por um colossal azar é que calhou serem os da Whitney Houston.
Por vezes arrepia, ver as mão que controlam os cordéis que movem grande parte da cultura!

8 comentários:

Anónimo disse...

Editar discos em edição de autor não faz que aconteça estas coisas. E editar em editoras mais pequenas. Ou editar nas Edições Avante, é sempre uma opção.

Luis Filipe Gomes disse...

É um ultraje e uma miséria, uma tristeza.

Maria disse...

O que a Sony fez é nojento.
Mas gostei de saber que é este ano que sairá o teu disco dos 40 anos de cantigas...

:)
Abreijos.

Anónimo disse...

Diga-nos quando vai editar o seu CD, isso é que importa. Agora o bando de vampiros ou abutres?! Ora que vão dar uma curva!!!.......
Vicky

salvoconduto disse...

Ora aqui está o dedo na ferida, estes sanguessugas exploram artistas e clientes e remetem sempre para estes últimos o ónus de "compensar" os primeiros, como se tal fosse possível. Até ministros da cultura se lhes vergam incapazes de os contrariar. Tenho centenas de Lps e CDS e interrogo-me muitas vezes quanto do que gastei foi realmente para os autores. Outro dado curioso é comparar o preço em algumas etiquetas que teimosamente permaneceram coladas com os preço que se praticam anos e anos depois e é aqui que a situação se inverte, argumentam que a culpa é dos autores...

Abraço.

trepadeira disse...

Quando se trata de negócio as mãos que puxam os cordeis são as mesmas.

Um abraço,
mário

Graciete Rietsch disse...

São as mãos do abjeto capitalismo.

Um beijo.

Manuel Norberto Baptista Forte disse...

Os abutres são "aves nojentas"...
Mas que eles andam no "ar" disso ninguém tenha dúvidas, e cada vez sentem mais a... podridão.
Resista-se...