A música francesa, ainda que diariamente agredida pela "pimbalhada" local, pelos "tanques" de produção anglo-saxónica, pelos saudosos do fascismo de Le Pen, ou da incompetência rasteira e colaboracionista de Sarkozy... resiste. E resiste em grande forma.
Enquanto na “pátria” do RAP, por exemplo, essa forma de música de intervenção vinda dos bairros populares e mais pobres, se transformou (salvo excepções) num interminável caudal de “videoclips” inundados em dinheiro, povoados por grandes carros desportivos, incomportáveis fios de ouro ao pescoço, elogios à marginalidade criminosa e modelos a fazer de prostitutas (ou vice versa), em França, o “Hip-Hop” é vibrante, interventivo, lúcido. Este é apenas um exemplo. Nos mais diversos géneros musicais o cenário não é diferente.
Em Portugal perdemo-nos da música francesa há muito tempo. Alguns de nós, aqueles que ainda declaram o seu amor incondicional a alguma da música que vem de lá... ficaram estacionados no conforto das memórias doces da juventude. Uma espécie de saudade gostosa, presa ainda à irreverência iconoclasta, anárquica e por vezes agreste de um Brassens ou Léo Ferré, arrepiados pela trágica dimensão das músicas e da voz do Brel e da beleza arrebatada dos seus versos, mobilizados pela militância de um Jean Ferrat, embalados pelas horas de felicidade liceal e ingénua da Françoise Hardy... ou mergulhados na profundidade existencialista da Juliette Greco...
Outros, nem sequer tomaram conhecimento, então ou agora, da existência da música francesa. Todos andamos a perder muito!
Em vez de ficar aqui a desfiar um rol de nomes da nova canção francesa, deixo-vos com uma dose tripla de apenas um desses nomes: a jovem cantora e autora ZAZ (Isabelle Geffroy).
O primeiro vídeo mostra-a sem rede, na rua, exposta, cantando apenas com dois dos seus (excelentes!) músicos uma canção do seu primeiro CD. Uma força da Natureza com cara de maria-rapaz, incapaz de ficar quieta, tentado cantar e fazer de orquestra ao mesmo tempo, uma voz com uma cor fantástica...
No segundo e no terceiro, reinventa duas canções de que os criadores gravaram versões inultrapassáveis. O grande cantor e (também) cultivador do jazz “gaulês”, Claude Nougaro... e a irrepetível Edith Piaf. Ainda assim, sem medo, canta-as não tentando imitar seja quem for, demonstrado um prazer que só tem quem canta o que gosta... como se isso fosse um privilégio sem preço. Porque é exactamente assim que se deve cantar a música daqueles que admiramos!
Bom domingo!
“Les passants” – ZAZ
(Isabelle Geffroy/Tryss)
“Le jazz et la java” – ZAZ
(Claude Nougaro)
“Padam, padam” – ZAZ
(Henri Contet/ Norbert Glanzberg)
16 comentários:
Camarada Samuel,
Muito bom "post".
E já que estamos em Paris que tal ouvir Cyril Mokaiesh - Communiste, aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=QNCT-rge8k4
Para muitos é o novo Brel.
Um abraço,
Jorge
A alegria e o gozo com que ela canta...
Gosto do timbre de voz dela, não sei porquê trouxe-me à memória Gilbert Becaud, (Monsieur 100,000 Volts).
Permite-me juntar áqueles que citaste Maurice Fanon.
Abraço.
Obrigada, Cantigueiro, pelos excelentes momentos musicais.
Um beijo.
Que maravilha.
Um abraço,
mário
Obrigado Samuel, a miúda é uma maravilha e mostra, sem sofisticações baratas, o que é bom e bonita. Eu que todos os dias "leio" Brassens, Mouloudji, Vian, Ferrat e todos eles, fiquei, o que se chama, remoçado.
Coisa lida!
Um abraço!
P.S. Hoje Gouveia manifestou-se forte contra o primeiro Coelho e o apoderado Relvas. A luta continua, nas empresas e na rua!
Caro Samuel, muito obrigado pela partilha. Mais três peças de música muito bonitas e alternativas. Cá estarei, todos os domingos que puder disponível para aprender. Mais uma vez muito obrigado.
Simplesmente fantástica,"conheci-a" faz um ano:
http://bonstemposhein-jrd.blogspot.com/search/label/Zaz
Abraço
Conheci-a através do filme "A Invenção de Hugo", de Martin Scorsese, e gostei imenso! Fica aqui a minha sugestão: oiçam "Coeur Volant", de ZAZ.
Bom domingo e obrigada! :)
Há algum tempo que venho "seguindo" ZAZ e a Isabelle Geffroy.Como é bom ouvir boa música e boas letras.Neste percurso pela música francesa,encontrei uma homenagem aos emigrantes portugueses em França,cantada por Joe Dassin,Le Portugais (1971) em http://www.youtube.com/watch?v=s4PWcWUq58k&feature=related . É sempre importante não esquecer o que foi a emigração forçada, a política(o exilio) e a económica :Ontem como hoje quando nos querem de novo roubar a pátria e a humanidade.
Um abraço
Joaquim d'odemira
Lindo! Maravilhoso!
Obrigada
Vicky
"Passe passe passera la dernière restera". Não conhecia. Concordo totalmente com aquilo que escreve. A música francesa deixou muitas memórias (boas) na faixa etária que vai dos 50 aos 70 anos.
Vou colocar este seu post no grupo do facebook do Tempo, onde de vez em quando se fazem viagens no tempo até às memórias musicais dos artistas (e outros) que refere.
Se houver reencarnação ela poderia ser a reencarnação 17 anos depois... a mesma energia, a mesma intensidade a sentir a música mas com uma nova alegria, um sentido do ritmo tão expressivo... Mas não; ela é ela sem dever nada a ninguém, renovando e refundando a tradição da sua e também nossa cultura.
Muito agradeço mais esta jóia que nos ofereceste.
Agradeço também ao Jorge Manuel o Cyril Mokaiesh!
" a ganda Cantigueiro, obrigado por este momento maravilhoso desta rapariga que eu nem sabia que existia..."
castrantonio
Delicioso!
Todos estamos de facto a perder muito.
Mas este comentário não é só para agradecer e aplaudir a apresentação desta intérprete
É-o também para sublinhar as palavras que considero impressionantemente adequadas e justas que Samuel utiliza para "definir" os monstros da música francesa a que alguns de nós ficámos presos.E da sua relação connosco e com as nossas memórias
Também aqui este registo.De gratidão
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