quarta-feira, 30 de abril de 2008

Caridade pós-moderna



Francisco, que era de Assis, foi um dos poucos seres humanos que em vez de cair na pobreza, a abraçou. Entrou nela, viveu com os indigentes do seu tempo, tentando fazer por eles aquilo que uma força superior o impeliu a fazer. A essa "força", uns hoje chamam isto, outros aquilo... uns fazem o que podem para a dignificar, outros arrastam o seu nome pela lama, estes últimos são os que normalmente mais batem no peito, tanto na religião como nas ideias políticas...
Adiante. Com toda a notoriedade que o levaria a "santo", Francisco de Assis fez a sua cidade famosa. A cidade atrai milhares de turistas que vão no rasto da santidade do tal Francisco dos mais pobres e do desprendimento material e (também por ser muito bonita) normalmente não os desilude.
Por estes dias a cidade de Assis foi notícia. O seu presidente de Câmara, o neofascista Claudio Ricci, eleito pela velha "Forza Italia" de Berlusconi, decidiu recorrer a câmaras de vídeo e verdadeiras milícias recrutadas entre militares na reserva para banir os pobres e mendigos do centro da cidade e das redondezas das igrejas (as tais do famoso Francisco dos pobres). E porquê? Evidentemente, porque incomodam e afastam... os turistas!
Lindo, não é?!
É uma das coisas "simples" que podem acontecer a um povo que mesmo como resultado de eleições, volta a colocar fascistas no poder, como está a acontecer na Itália. Trata-se de uma ideia simples mas nada original, já antes praticada largamente por Salazar e que agora, mesmo entre nós, vai ganhando novos e "inesperados" adeptos. Combater os pobres em vez da pobreza.
Os pobres e explorados sempre foram mais fáceis de abater do que os exploradores...
Este é apenas um pequeno item de uma extensa lista de coisas que realmente podem acontecer aos italianos, nos próximos tempos, lista essa que eu me vou dispensar de aqui especificar...
Quem passa por aqui e tem a paciência de me ler, possui em alguns casos a dura experiência e nos outros suficiente informação e "imaginação" para saber do que falo.
Ainda não "estamos aí"... mas vamos ficar bem atentos. Está bem?

Adenda: De notar que sobre este assunto, a Igreja local tem um discurso "gaguejante", para dizer o mínimo.

17 comentários:

Maria disse...

Disseste bem, Samuel, "ainda" não estamos aí....
Às vezes os resultados eleitorais surpreendem-me. Eu sei que há as condições X, Y e Z e temos que ter em conta que A mais B mais C.
Mas... Berlusconi? Outra vez? Os italianos andarão distraídos?

Abreijos

alex campos disse...

Saramago referiu-se uma vez ao neo-liberalismo como capitalismo autoritário. Eu sempre disse que era um capitalisno fascizante, e aí está ele no seu melhor, e, mais grave, a ganhar aos pontos.
Temos de dar mais atenção à nossa distração.Não serão só os italianos que andam distraídos.
Um abraço.

Cloreto de Sódio disse...

A Igreja tem um "discurso gaguejante" em muitas áreas. Se os gagos não gaguejam... cantando, a Igreja que se aplique no canto... gregoriano. É "introspectante", bom de se ouvir e pode ser que assim gagueje menos. Digo eu.

Luis Eme disse...

o nosso Salazar também gostava de esconder os pobres das ruas...

é uma vergonha viver em cidades e países a brincar, onde se finge que tudo é perfeito...

Como se os turistas fossem burros, Samuel...

Anónimo disse...

Felicito-o pela oportunidade e quelidade do seu texto. Gostaria de salientar que "o discurso gaguejante" vai ao ponto de informar que a assinatura é: do "prefeito de esquerda"! Por aqui se vê como esta gente é bem intencionada e esclarecedora.
João

Fernando Samuel disse...

Os pobres fazem falta (toda a gente sabe que sem eles não existiriam ricos) mas também não é preciso andarem por aí a exibir a sua indispensabilidade, não fica bem, estraga a paisagem turística, dá mau aspecto. Além disso, como a Igreja ensina, as esmolas devem ser dadas discretamente...
Tudo isto, afinal, a dar razão aos fascistas do município da Assis - e também a um certo presidente do Brasil (militar/fascista/católico) que, muito judiciosamente, dizia: «É preciso que os ricos sejam cada vez mais ricos para poderem dar mais esmolas aos pobres»...

Anónimo disse...

"Tudo na vida nos diz, que é num momento fugaz, no tempo de um raio X que a gente irá ser feliz. Será capaz?"
Não vivo em Italia, mas entendo que o problema destes senhores ao acabarem por ir para o poder apenas tem a ver com o tempo de um raio X; ou seja, deveria existir uma porta eletrónica que fechasse completamente as pessoas dentro das cabines de voto, deveriam ser projectadas imagem verdadeiras e duras do sitio para onde estamos a eleger alguém, sinteses de discursos, entre outros, e só depois sairia a caneta para proceder então ao acto civico; Porque se o ser humano não tem memória de peixe, então, às vezes parece!

jrd disse...

Gostaria de acreditar que se trata de um epifenómeno, mas a realidade é bem outra e a direita italiana é mesmo "sinistra".

Anónimo disse...

E aonde os vão colocar? Os pobres e desfavorecidos toda a vida têm sido afastados da Cidade para os subúrbios/bairros da lata/favelas/banlieus. Depois estranham que, de vez em quando, invadam as ruas da Cidade e reclamem os seus sonegados direitos. Lembrem-se de Paris!

Anónimo disse...

Se a sociedade tivesse de consciência tranquila, de que nada tinha feito, para que existissem pobres, então poder-se-ia dizer, são malandros, parasitas, o pior é que os DEgovernos capitalistas, o que mais fazem é criar pobres todos os dias, mas a contradição maior é saber que alguns pobres, vão votar nesses capitalistas tipo Berlusconi.
A sociedade está doente e descaracterizada, grande parte das pessoas já não reage, educar dá muito trabalho!
abraço
Manangão

Anónimo disse...

Boa tarde. Foi com um enorme gosto que descobri este cantinho, ainda na ressaca do espectáculo que vi na TV sobre Abril. Recordo tantas e tantas cantigas do samuel em crianaç. Depois perdi-lhe o rasto. Mas a noite de 25/04 trouxe tanta gente. Vimos, cantámos, dançamos, ouvimos poesia e fui contantemente interropmida e bombardeada de perguntas pela minha excelente companheira desse serão: a minha filha de 4 anos. Foi a custo que às 23:30 a meti na cama, com a promessa que gravaria o resto do programa para vermos no dia seguinte. E assim foi. Não - não obriguei a criancinha. E sim, ela também gosta do Noddy. Eles são uma mente aberta ao que nós quisermos. Pode ser perigoso: dependentemente dos adultos que lhes "peguem". Há dias, tentando separar alguns brinquedos velhos, ela recusou a ideia de dar a crianças mais desfavorecidas "os pobres que trabalhem!". Eu e o pai não gostámos mesmo nada - lá ouviu ela aquilo nalgum lado. E lá foi o pai tentar contrariar uma ideia perfeitamente perversa e que é uma desculpa cobarde para que não se faça intervenção directa junto de populações mais carenciadas. E intervenção não é só dar dinheiro ou bens. Mas a minha filha tem quem lhe vá contrariando estes preconceitos. Já outros...levam para a vida adulta e desenvolvem uma visão sórdida da realidade. E o mais revoltante é quando chegam ao poder. E mais revoltante ainda, é chegarem mais do que uma vez por eleição! Poça... A democracia parindo anti-democratas que dela se abotoam. É surreal.

Nuno Góis disse...

É tão extrema a preocupação com o que se passa em Itália com extrema é a direita que por lá vai ganhando espaço. Veja-se agora Roma...
E já que falaste no saudosismo salazarento, os italianos tiveram o Mussolini...
Estsjamos atentos.

Abraço

Anónimo disse...

O Hitler também foi "democraticamente" eleito.

Adiante.

Na Itália, o fascismo nunca morreu, as várias máfias encarregam-se de o manter e solidificar.

Por cá também não, por isso como dizes e muito bem à que estar atentos e vigilantes.

Também por cá, isto de ocultar os "pobres" não é caso virgem, e não só durante a ditadura, aquando duma prova de atletismo, salvo erro campeonato do Mundo de Corta-Mato realizado no vale do jamor, não sei precisar a ano (1977!!1983!!!1984!!!???), os responsáveis colocaram enormes panos verdes, plástico talvez, para ocultarem ao Mundo via TV as barracas que então existiam (existem) por lá e eram bastantes.

Abraço

Viva o 1º de Maio
Viva a Revolução

!!!!!É já sexta!!!!!

Pata Negra disse...

Calma aí! Não estamos aí? A Madeira não é Portugal? As praias ilegalmente privadas do Algarve?
Estamos lá, basta que a pobreza aumente um bocadinho e floresçam os condomínios privados!
Um abraço santo chico

Manuel Veiga disse...

ainda não estamos aí. de facto...
mas receio bem que o novo Código do Trabalho venha dar o seu contributo...

grato pela visita. abraços

éme. disse...

ainda...
Mas não anda assim tão longe.
Aqui por Coimbra já começam a ser ameaçados os sem abrigo que param, nas noites, por alguns lugares...
A Igreja e os seus discursos gaguejantes, em relação a alguns temas, ainda é mais incrível que o espantoso poder de fingir que não vê em alguns outros.
Os impossíveis começam a acontecer... Desgraçadamente acontecem esses pouco prováveis (se a Humanidade fosse realmente Humana) que deviam permanecer impossíveis.

Anónimo disse...

A Igreja gagueja porque está, como quase sempre tem estado, ao lado dos fascistas. Gagueja só até ter automatizado o discurso que àqueles convier.