sábado, 31 de julho de 2010

Eufemismos



Segundo os manuais, eufemismo é uma figura de estilo com que se disfarçam ideias desagradáveis por meio de expressões suaves. Em certas circunstâncias, um eufemismo pode mesmo ser confundido com a ironia, outra figura de estilo, que veicula um significado contrário daquele que deriva da interpretação literal do enunciado. A título de exemplo: «O Primeiro Ministro José Sócrates usou da palavra para responder à deputada dos “Verdes”, Heloísa Apolónia, com a compostura e boa educação com que sempre o faz»… ou ainda, «os jornalistas saíram da conferência de imprensa rendidos à sagacidade, rapidez de raciocínio e dimensão cultural de Cavaco Silva».

Isto dos eufemismos ocorreu-me enquanto via na televisão mais uma das transmissões do Europeu de Atletismo, em Barcelona, onde vários atletas portugueses mais uma vez demonstram, com resultados, que as fortunas que se gastam com o futebol deviam ser muito repensadas. Aí, durante a final feminina de lançamento do disco, fiquei preso ao ecrã, não tanto pelas marcas alcançadas, mas muito mais pela verdadeira festa que as restantes “adversárias” faziam aos melhores lançamentos desta e daquela. Uma, em particular, talvez pela “veterania”, era visivelmente a mais querida entre as “inimigas”, sendo que algumas festejaram a sua talvez inesperada medalha de prata como se a tivessem ganho, cobrindo-a de beijos e abraços.

Manifestações como esta, sendo embora excepções, ocorrem em várias das modalidades, em iguais festejos em que é indisfarçável o respeito e genuína admiração que alguns e algumas atletas têm entre si. É isto o verdadeiro desporto, o verdadeiro “fair play” que, felizmente, ainda se pode desfrutar aqui e ali.

Exactamente o contrário de outras situações em que a palavra desporto já não passa exactamente de um eufemismo tristemente irónico, para retratar fenómenos desagradáveis, como o caso “mafioso” da Fórmula 1, em que os patrões da italiana Ferrari ordenam ao seu piloto, Felipe Massa, que vai na frente da corrida (e na iminência de a ganhar) que abrande, para dar passagem ao outro piloto da Ferrari... que assim vence garbosamente a prova. Parece que ainda há penalização para esta prática, mas não só apareceu imediatamente quem defenda que a penalização deve deixar de existir, pois em primeiro lugar estão os interesses desportivos da equipa, como o facto parece não ter incomodado em nada o piloto, Fernando Alonso, que ganhou a corrida desta forma...

Ou então o caso deste infeliz, aí em cima na fotografia que ilustrava uma notícia, há uns dias, em que para mostrar serviço a quem lhe paga achou normal afirmar publicamente o seu sportinguismo, proclamando-se como antibenfiquista... e continuar a chamar-se director desportivo.

Para que fique claro, acrescento que só a minha total falta de alinhamento com qualquer clube de futebol e até com o próprio fenómeno do futebol, de que não consumo mais do que esporádicos resumos, me permite a ousadia de dar esta “canelada” num director de um grande clube, ainda por cima sendo, segundo a legenda da fotografia, um “ministro” com mão de ferro, senhor de 50 fatos e um Lamborghini amarelo... mas que, pelos vistos, ainda não encontrou uma loja em que se venda recheio decente... nem para os fatos, nem para o carro.

12 comentários:

Antuã disse...

Onde há muito dinheiro há muita corrupção.

do Zambujal disse...

Gostei. Gostei mesmomuito por ser matéria pouco abordada e ser-me muito querida.
Vou deixar duas "máximas"
"o meu ideal desportivo, era futebol sem árbitros...»
«tão ou mais difícil que perder como se fosse igual a ganhar, é ganhar como se fosse igual a perder...»
E com estas me vou!

Ah!, não sei porquê "sou" do Sporting (se calhar sei... "más companhias" em puto), e gosto muito do Benfica!

Um abraço

Daniel disse...

Samuel, o futebol das primeiras divisões deixou de ser desporto há muito tempo. Se eu te disser quais são os jogadores da minha infância que, se este tipo de linguagem me agradasse, afirmaria que são os meus maiores ídolos, não serias capaz de adivinhar qual o clube da minha preferência. Ora vê lá, entre outros: José Águas, Travaços, Matateu, Hernâni, Rita, Vasques, Coluna, Vicente, Miguel Arcanjo...
Naquele tempo, os adversários eram companheiros indispensáveis para que houvesse jogo. E, se um golo poderia valer uma vitória, não valia nunca milhões, nem sequer milhares.
Um abraço.
Daniel

alex campos disse...

Gosto de futebol, sou simpatizante do Sporting, mas o que é verdade é que chamar desporto ao futebol profissional é eufemismo.
Até agora sempre se viu comportamentos destes entre os adeptos, que, coitados, têm a formação que têm e o futebol serve-lhes de escape, mas de um director desportivo é mesmo deprimente.

um abraço

Aristides disse...

Boa malha, sim senhor! Subscrevo totalmente, salvo a de não ser consumidor futebol. Nesse aspecto sou bastante e até um pouco doente. Por isso não me sinto com autoridade moral para falar dos milhões que circulam à volta do futebol. Costumo dizer que se todos, eu incluído, mudássemos de canal cada vez que dá um jogo de futebol,jogadores e empresários não ganhavam o que ganham. Por isso me incluo entre os culpados.
Grande abraço

trepadeira disse...

Olá

Faço o possível por só "consumir" produtos biológicos.
De bola e quejandos não me fazem perder tempo.
Solidariedade na abordagem.
Cordial abraço,
mário

Suq disse...

A coisa dura na minha terra é a tesura!

Fernando Samuel disse...

Grande texto!

Um abraço.

jrd disse...

Excelente texto!
Esse personagem não passa de uma figura "kitsch" no pior sentido da expressão.
Digo eu, que sou do Benfica mas nunca 'anti' seja o que for.

lino disse...

O tal "ministro" não passa de um empregado de mesa de pinto da costa a servir veneno na casa de um dos seus adversários.
Abraço

Graciete Rietsch disse...

Desportivismo talvez ainda se encontre nos Jogos Olímpicos, que eu gosto imenso de ver, e em alguns outros desportos, atletismo por exemplo. Quando o pretenso desporto é alienante como o futebol e, pelo que diz o excelente post do Cantigueiro, o automobilismo, então é um chorudo negócio com as vigarices associadas.

Viva o verdadeiro desporto.

Um beijo.

Op! disse...

como soportinguista não só subscrevo o comentário do Lino como acrescento que temos um director desportivo à altura do presidente [do sporting].