Hoje regressamos a Paris, mas em clássico. Em preto e branco. Em elegância pura. Pela mão da diva absoluta de uma época de ouro: Juliette Gréco.
Juliette teve a infelicidade, enquanto simples adolescente, mas a felicidade, enquanto ser humano e cidadã, de ter uma mãe resistente. Resistente, também naquele sentido vertiginosamente perigoso e heróico que umas boas centenas de compatriotas seus lhe deram durante a ocupação nazi: ajudar, ou pertencer mesmo à Resistência a essa ocupação e ao nazi/fascismo. Logo nos primeiros tempos da Guerra, seria presa pela Gestapo. Talvez para (entre outras coisas) demonstrar que o exemplo da sua mãe não tinha caído em saco roto, não demorou muito tempo para que Juliette, então com dezasseis anos de idade, se “fizesse” igualmente prender.
Depois de libertada e passado pouco tempo, o grande e colectivo suspiro de alívio do pós-guerra veio encontrá-la já perfeitamente instalada naquele que viria a tornar-se, definitivamente, o seu habitat natural: a noite, a canção e a cultura parisienses.
Apesar de o seu nome figurar nos elencos de algumas peças de teatro e várias dezenas de filmes, foi como cantora que a jovem Juliette Gréco tomou de assalto vários locais míticos da noite de Paris de então, conquistando o público pela sua maneira original de cantar e “dizer as canções”. Diz-se que também (vá lá entender-se porquê!) pela sua figura emoldurada por esguias roupas pretas e os seus cabelos de azeviche. Aí se renderam à sua arte, para a qual muitos deram contributos, nomes como Sartre, Prévert, Jean Cocteau, Albert Camus, Boris Vian, Joseph Kosma, Aznavour...
Depois de instalada no seu lugar, decidiu amadrinhar e ajudar a divulgar novos nomes de autores e intérpretes... e com uma assinalável pontaria, já que entre esses “novos” figuram nomes como Leo Ferré, ou Serge Gaisbourg.
Chega de apresentações. A cantiga de hoje é uma simples e belíssima canção sobre Paris (as belíssimas canções quase sempre são simples). Foi escrita em 1951, por Jean Dréjac e Hubert Giraud, tendo sido gravada por muitos intérpretes que vão de Yves Montand a Piaf.
Como único comentário ao vídeo de hoje, diria que, num tempo em que tantos artistas se defendem das suas “faltas”, escondendo-se atrás do biombo protector da tecnologia mais agressiva, de toneladas de foguetório e efeitos especiais que o público consumidor engole à força de rios de banha da cobra... a luminosidade deste momento, tudo aquilo que Gréco consegue dizer com um jeito de lábios, um movimento das mãos, um instantâneo franzir de nariz, o princípio de um sorriso cúmplice, um fugaz brilho no olhar... juntamente com a claridade da forma de cantar e de dizer as palavras... são de uma simplicidade que chega a ser “embaraçosa”.
Bom domingo!
“Sous le ciel de Paris” – Juliette Gréco
(Jean Dréjac/Hubert Giraud)
9 comentários:
Merci!
Bisous.
Que linda canção!!! Sabe bem ouvi-la quando o mundo está louco. E também porque se refere a PARIS, cidade que me maravilha, e é cantada por uma resistente.
Um beijo.
Inesquecíveis; a interprete e a canção.
Abraço,
O melhor domingo possível.
Naturalmente que a Juliette Gréco, por si só, valeria o 'post' de hoje.
Contudo, o que mais admiro é a excelente qualidade descritiva, assim como o óptimo exemplo de bem escrever,num português que já vai rareando. Bem hajas.
Um abraço
Domingos Pimenta
Foi um carinho recordá-la.
Um abraço,
mário
Bela Julitte. Sobre o céu de Paris, cinza, frio, úmido e nojento.
Sob o céu ... tudo bem, é outra forma de viajar.
www.saitica.blogspot.com
daniel
É tudo verdade,e muito bem dito, o que dizes dela! Mas como eu me roia de inveja,há uns 40 anos atrás, por não ter a voz dela, a figura dela, o rosto dela...e sonhava, sonhava, sonhava!
Abraço
Obrigada! Merci! Que bom ler o que escreve e recordar Juliette Greco e sonhar que ainda é possível Paris trazer uma outra forma de ver este mundo.
Obrigada
Vicky
Sublime!
Obrigado Samuel.
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