(Ao lado da capa do disco pede ver-se este vosso amigo ao lado do maestro, eu com 21, ele com 22 anos)
O José Calvário foi o meu primeiro orquestrador. Pouco tempo depois do “Cantigueiro” estávamos a gravar o histórico “Fala do homem nascido”, apenas com poesia de Gedeão, musicado pelo José Niza e cantado pela Tonicha, Duarte Mendes, Carlos Mendes e por mim. As orquestrações do Zé foram um trabalho notável. Ainda não tinha sido feito um disco assim, na música portuguesa (uma certa música portuguesa).
O José Calvário era implacável para com os músicos, em estúdio, mas sobretudo para com os cantores ou cantoras que incomodassem o seu “ouvido absoluto”. O facto de repetidamente ter querido trabalhar comigo noutras gravações, sempre fez muito bem ao meu ego.
O José Calvário era um ferrenho militante do PPD. As nossas trocas de galhardetes sobre política ou as minhas escolhas musicais e sobretudo de “carreira profissional”, que o deixavam tão abismado como “zangado” comigo, nunca transpuseram a linha do desrespeito. Por exemplo, nunca cometeu a deselegância de me convidar para as recorrentes gravações de hinos do PPD, para as quais convidava variadíssimos dos meus colegas das cantigas, pagando, diga-se, muito bem.
Tinha um sentido de humor fulminante. Vi-o por várias vezes em estúdio a ser tremendamente cáustico para com algumas cantigas “vermelhas” e os seus autores e cantores, enquanto, ao mesmo tempo as servia com orquestrações primorosas. Era um grande músico!
Durante anos, repetidamente, sempre que me encontrava, dizia com um ar entre o escandalizado e o incrédulo, que não percebia porque raio é que eu me tinha posto à margem de uma carreira comercial... mas eu sei que ele sabia.
Viveu toda a vida num regime de stress potencialmente suicidário. Deixou-nos de vez, agora.
11 comentários:
Há uns meses que esperávamos este desfecho.
A "Fala do homem nascido", já o disse algumas vezes, foi do melhor que se fez em música portuguesa. Os outros vieram depois.
E tão novinho que tu eras... vizinho... :)
Por vezes, morre-se como se vive...
è a natureza em força!
:))
a notícia surpreendeu-me!!!! Não estava a par, obviamente, das condições que pudessem prever tal desfecho!!!!
No entanto, como público que cresceu a ouvir música e canções resultantes do seu trabalho de músico, considero que a sua partida é mais uma enorme perda para a música e para todos os que a amam.
Breijkas!
O certo é que o José Calvário deixou saudades e uma obra notável. Seria do PPD, não duvido, mas do original, o social-democrata.
É por isto, por palavras isentas como estas, que eu visito este blog.
beijo para Samuel, outro para doce Maria.
Era do PPD?: ninguém é perfeito...
Um abraço.
Parabéns Samuel,é por isto, o que escreveste que eu sou teu admirador desde sempre.
Esqueci-me,Samuel,desculpa,Também porque és coerente, e cantas muito bem
Já o disse noutro blogue: parece que cresci a conhecê-lo desde pequenina!
É de facto uma mágoa grande que fica, mas a obra do José Calvário está aí para ser (re)descoberta. E pouco antes do belíssimo "Fala do Homem Nascido", já ele tinha espalhado talento por três das canções d'"O Cantigueiro" - uma grande estreia, é preciso que se diga! Abraço, João Carlos
ignorava que este Samuel cantigueiro era "O" Samuel.
tenho o Poema de pedra lioz no ipod, e este album que espera ser convertido na totalidade em mp3. Já soube que não existe em CD, e mesmo que venha a ser editado em CD, estou desempregado, pelo que me vai melhor reciclar o vinil.
Bem haja.
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