sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Língua de pau





Ontem tive que jantar mais cedo por razões de trabalho e por isso, não levei com os Telejornais do costume. Mesmo assim, um canal qualquer que estava a vender notícias, teve o condão de me irritar. Num trabalho qualquer sobre aquela tristeza dos doentes de Santa Maria aos quais acidentalmente foi estragada a visão em vez de tratada, a dado passo, que depois confirmei pelos jornais online, a Inspecção do Infarmed diz que encontrou “não conformidades críticas” no serviço de preparação e distribuição de medicamentos daquele hospital.

“Não conformidades” é a “língua de pau” em todo o seu esplendor. Não sei se em Portugal somos campeões desta modalidade da comunicação oral e escrita, mas somos pelo menos muito bons! Assim de repente e sem ter que ir muito longe lembro-me das várias “investigações” da Autoridade para a Concorrência, que na altura em que as gasolineiras faziam milhões à custa da subida dos preços do petróleo e logo a seguir, outros tantos milhões à custa da descida, nunca conseguiram encontrar cartelização de preços, ou seja, a eterna trafulhice dos preços combinados, mas sim apenas um inocente “paralelismo de preços”. Lembro-me ainda da calma com que o Dr. António Marta dizia, no auge das suspeitas sobre as falcatruas no BCP, que não tinham sido detectadas irregularidades, mas sim “fragilidades do ponto de vista prudencial” (esta frase é a campeã destacada!).

De qualquer modo, do que me lembro mais nestas alturas é do tom de voz com que o José Carlos Ary dos Santos dizia estes seus versos, que vêm tão a propósito e que (mais uma vez) podem ir ler aqui.

“Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são...”

14 comentários:

A. Mendes disse...

Somos o país que mais dinheiro gasta no Euromilhões; somos o país que tem mais recordes no Guiness, e como "os quins" (como diz um amigo meu)julgam que todos somos estúpidos, quando nos querem enganar, fazedndo-nos pensar que nos estão a dar alguma coisa, somos também o país dos eufemismos.

Maria disse...

Esta gente utiliza expressões que o comum dos mortais não vai entender... experimenta dizer o “não conformidades críticas” em inglês e... é, não é?
Pois!
Que falta nos faz o Ary!

Abreijos

Fernando Samuel disse...

Dava para fazer um «dicionário de malabarismos linguísticos» - e seria bem volumoso...

Um abraço.

joaquim d'odemira disse...

Podem sempre causar estranheza as palavras técnicas relacionadas com os resultados de uma auditoria de procedimentos de qualidade a qualquer sistema de qualidade que esteja implementado.O sistema de qualidade serve para garantir a efectivação correcta dos processos e a auditoria para verificar os seus desvios.Como estou ligado a procedimentos de qualidade a linguagem exacta não me é estranha.Mas reconheço que para um artigo jornalístico esta linguagem não seja a mais correcta e assim permite leituras de desconfiança,face ás palavras das frases utilizadas.É de salientar na comunicação que certos responsáveis fazem, após estas auditorias aos sistemas de qualidade que temos lido ultimamente nos jornais, utilizam frases muito pomposas(do ponto de vista da sua escrita e oralidade) para que o comum dos mortais não fique esclarecido mas que tudo pareça que está a ser correctamente verificado.Penso que são tudo tentativas de omissão da verdade.Verdade essa, que a maior parte das vezes não ficamos a saber.

Cumprimentos a todos.

Unknown disse...

O anterior post toca na coisa, seja ela qual for o nome. Também estou habituado às "não conformidades". É um cinzentismo, como costumo dizer. No final, ficam todos bem: o campeonato está a começar, bem como as festas da TVI no Sascha e nas touradas. E assim continuamos sem esperança de dias melhores.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Estas delicadezas e nuances na lingua tiram qualquer um do sério. Chega a ser comichoso até.

vermelho disse...

São uns pézinhos de lã, estamos rodeados deles. Quando cada vez mais urge chamar os bois pelo nome, como forma de combater as nebulosas que nos são arremessadas todos os dias para baralhar o discernimento, mais estes carneirinhos postos em bicos de pés tentam adocicar o fel. O pior é que qualquer dia deixamos de nascer com olhinhos na cara e passamos a ter uma ficha USB para download directo da merda que nos querem meter na cabeça...
Abraço.

CS disse...

E se lhes chamar filhos da mãe compreenderão que lhes chamo filhos de rameira. Escrevi rameira para não lhes chamar filhos... filhos de quê?

Ramiro Morais de Beja disse...

Para melhor compreensao deste comentario, a seguir de ler o post, ler a opiniao do Sr. Joaquim d'Odemira (12:18 h.).
Ha! Ha! Ha!
Fartei-me de rir com o seu comentario.
Nao me leve a mal mas vou dizer-lhe um proverbio que o meu avo me dizia, e que e, em resposta ao seu comentario, muito bem dito:
"Lavar a cabeça a burros e estragador de açabao."
Tanta mestria em «procedimentos de qualidade» para tao pouca compreensao. Cuidado com o ego.
Sem ofensa e respeitosamente.
P.S.(Cruz, credo) - desculpe a falta de acentos mas tenho um problema no computador

joaquim d'odemira disse...

Ramiro Morais
Já fui muitas vezes auditado nos processos de qualidade no meu trabalho diário.Todos os anos fazem-me pelo menos 2 auditorias internas 1 auditoria externa;sou "mestre" em ser auditado.E como tal "fui obrigado" a ler qualquer coisa sobre o assunto.Sobre a linguagem comunicativa e os resultados das auditorias na comunicação social continuo a manter o que escrevi.E espero que leia com calma as últimas frases daquilo que escrevi no anterior comentário.Eu só reforcei o que escreveu o grande cantigueiro.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Joaquim d`odemira:
É isso mesmo!(também apanho com essas coisas da qualidade,acreditação, auditorias e afins...).
Hoje comentaram-me o seguinte: "Viste?! A farmácia do Santa Maria tinha não conformidades!",em tom de decreto, como se já estivesse apurado que o infeliz acontecimento se tenha devido a este facto.
"Não conformidades" podem ser "tantas coisas", e significar tanta coisa, desde as mais inócuas às mais graves sob o ponto de vista funcional, de qualidade, segurança...E é uma linguagem técnica, muito específica, que a maioria não acompanha, de facto. Mas tem sido este o papel de alguma comunicação social: não informar devidamente, confundir, especular, manobrar, alarmar... desinformar enfim. E isso interessa a alguns sectores, como se sabe...
Sílvia

Clube Europeu ESJAL disse...

Também dei por isto! Fartei-me de resmungar "com os meu botões"!!!

Anónimo disse...

Amigos.
No primeiro ou segundo dia a Ministra da Saúde, querendo fazer de boazinha, disse que os doentes poderiam ir tentar recuperar a visão aonde quisessem. Quando um familiar falou que queria ir a Cuba, a Ministra recuou a grande velocidade. Agora convidaram um técnico do Canadá para «obrar» sobre o assunto.Acontece que, o técnico canadense, fala melhor brasileiro que muitos brasileiros. O que se passa, e que só não vê quem não quer, é que toda a gente vai ser ilibada, os doentes não melhoram porque não podem tentar melhorar aonde querem, e no fim tudo fica por nada, como tudo o resto nesta palhaçada de país.
E indemenizações, nada, pois para isso serve todo o circo.
Cumprimentos.

samuel disse...

Basicamente, é para isto mesmo que serve a "lingua de pau": ou não dizer nada e manter a confusão, ou dizer alguma coisa e lançar a confusão. Nunca serve para esclarecer.

Abreijos gerais!