Segundo dos Poemas da Infância
Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebecem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...
Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!
Manuel da Fonseca
(15 Outubro 1911 - 11 Março 1993)
10 comentários:
Belo, belo, grande Manel
(e grande Samuel)
Este édos meus poemas de sempre... talvez porque nasci poeta.
Depois, bem!, depois, cresci!
Obrigado pela lembrança
Este 'Manel'!...
Grande brejeirão mas autor de alguns dos mais belos e... "tchekovianos" contos que eu conheço, em português!...
"Et pourtant"...
"Et pourtant", quando cá esteve a falar sobre o "Levantado do Chão", do Saramago, a Lúcia Lepecki esqueceu-se incrivelmente dele (e do Antunes da Silva, por exemplo) quando falou de marcos relevantes de uma literatura portuguesa em... "alentejano"...
Imperdoável esquecimento!
O 'Manel' foi (para mim, pelo menos) um dos mais fabulosos contistas em língua portuguesa.
Tinha (como o Saramago e o Antunes da Silva, aliás!) aquele terrível "defeito" de ser (ou de... permane-ser) coerente e fiel às suas posições quando o que estava a dar era "um passinho (ou uma SÉRIE de passinhos) à direita"...
E isso, claro, foi-lhe "fatal", de um certo ponto de vista televisivo, "homenageento" e coisas assim...
Felizmente!
Este eterno Manuel da Fonseca...
(e abstenho-me de comentários brjeiros, por razões óbvias - mas era um mistério...)
:)))
Abreijos
Brilhante (como sempre..)!
Li o poema sem querer saber o nome do autor, para não o fazer com preconceito positivo ou negativo. Quando vi de quem era, percebi que nada teria mudado na minha apreciação deliciada das palavras do Manuel. Ele "É" grande!
O «mistério» vivido, mais ou menos assim, por todos nós: um dos mais belos poemas do Manuel da Fonseca.
Um abraço.
Só depois de enviar o meu comentário li os que o antecederam: o «esquecimento» da Lepecki referido pelo Carlos Machado Acabado é realmente (quase)inacreditável: como é possível falar de «uma literatura portuguesa em "alentejano" e «esquecer», por exemplo, Seara de Vento, Cerromaior ou Aldeia Nova» - ou o Suão?
Um abraço.
A "estória" contida no poema do Manuel da Fonseca faz-me lembrar uma "estória" (verídica!) da minha própria meninice e que demonstra, afinal, como o Poeta tinha objectivamente razão (e uma subtil lucidez que o faz associar o despertar da sexualidade ao despertar do próprio desejo 'abstracto' de transgredir, algo que a ditadura, ela mesma, percebeu, aliás, com surpreendente esclarecimento...)
Foi o caso de um dia, no jardim dos Anjos, a mim e a um amigo da mesma idade (doze, treze anos) nos passar pela cabeça prender um pesado cesto dos papéis a uma das gigantescas árvores do jardim e ao cesto uma corda para (imagine-se!) "vermos as pessoas tropeçarem nela"!!
Na nossa inocência, escondemo-nos num lugar, por trás de um banco, onde fomos sem dificuldade localizados pelo polícia "de giro", como à época se dizia.
Pois bem: uma estúpida brincadeira de miúdos transformou-se na privilegiadíssima cabecinha da autoridade num possível... acto terrorista (quem sabe lá se nós, irrequietos catraios de doze ou treze anos, não tínhamos ideia de pôr uma bomba dentro do cesto??!!)
Fomos para a esquadra, os nossos pais lá chamados e até o próprio chefe se riu (e nos pregou um ralhete danado que era precisamente o que nós merecíamos aquilo de que estávamos a precisar!) quando, muito sério, o guarda chegou connosco e lhe fez o "relatório oral":
"Chefe, suspeito que estes dois podiam estar a preparar um acto terrorista!..."
Parecia uma cena do "guarda Costa" e dos "Malucos do Riso"...
Só que, infelizmente, no nosso caso, não houve ao menos "seios nascendo debaixo de qualquer blusa" porque éramos ambos rapazes e rapazes com muito pouco juízo, aliás!...
É sempre bom relembrar Manuel da fonseca e a sua coerência, numa época em que parece ser cada vez mais...
Obrigado Samuel
Per tutti:
Não sei se eu ou alguém já terá dito, mas... grande Manel!!! ☺ ☺ ☺
Abreijos colectivos!
Enviar um comentário