De vez em quando visito o Abrupto de José Pacheco Pereira. São visitas que frequentemente têm "resultados" assaz contraditórios.
Hoje foi um mau dia!
O facto de não encontrar logo à entrada uma bela fotografia (das toneladas já publicadas) de um "Banco de Jardim a Passar o Tempo no Dito de Santo Amaro", não augurava nada de bom e nem o poema do costume, sempre "em estrangeiro", que vinha logo a seguir, conseguiu remediar a coisa.
Passo a explicar:
Hoje Pacheco Pereira resolveu aventurar-se num assunto que lhe deve ser completamente estranho, a percentagem de música portuguesa que deve ou não passar nas rádios portuguesas.
Em qualquer país em que as pessoas, intelectuais incluídos, gostem minimamente da sua cultura, seja ela a de raíz tradicional ou a mais erudita, ou contemporânea (ou tudo à mistura), este problema começa logo por nem se colocar... De qualquer modo, infelizmente, nós somos como somos e dado que há estações de rádio que atingem a percentagem fabulosa de zero por cento de música portuguesa, alguma coisa teria que ser feita, quanto mais não seja, falar disso.
Foi o que certamente com "boa intenção" fez JPP. Em má hora...
Ficamos a saber que para JPP, passar 25% de música portuguesa à força, como diz, será uma tortura já que terão forçosamente que passar também "a má".
Isto deve querer dizer que JPP acha que os actuais mais de 95% de música estrangeira com que nos inundam diariamente é toda boa.
Ficamos igualmente a saber que JPP acha realmente que para a Antena 2 conseguir intercalar música erudita portuguesa com "Bach e Mahler" estará condenada a passar exclusivamente "Joly Braga Santos e Luís de Freitas Branco".
Isto deve querer dizer que JPP (faz de conta que) nunca ouviu falar de outros compositores portugueses, que vêm desde as cantigas de amigo até aos dias de hoje. Os jovens compositores de música contemporânea ficarão felizes...
Ficamos ainda a saber que na opinião de JPP, uma estação de rádio portuguesa que apenas divulgue Jazz, se for obrigada a tocar 25% de música portuguesa, tem que passar a incluir na sua programação "a épica do bacalhau, da cabrinha e do ketchup".
As muitas dezenas de formações de jazz portuguesas que lutam desesperadamente por uma divulgação minimamente digna do seu trabalho, ficar-lhe-ão muito agradecidas.
Transpondo para os livros, tema muito mais caro a JPP, estas considerações "artísticas" (e parolas) quereriam dizer que se quiséssemos nas nossas leituras respeitar uma percentagem de 25% de livros portugueses, teríamos que intercalar os grandes autores mundiais da preferência de JPP, apenas com Margarida Rebelo Pinto e para os mais exigentes, Eça (!)... e mais nada.
O que é que isto tudo prova? Pouca coisa para além do facto de que mesmo pessoas "atascadas" em cultura de vez em quando argumentam como "amebas".
Peço desculpa aos milhões de leitores do Cantigueiro pelo tamanho do texto, mas José Pacheco Pereira espalhou-se tão ao "comprido" que não havia outra forma...
Adenda 1: Espero que as rádios, como por exemplo a Antena 1, que tratam a música portuguesa com muito mais atenção, não se sintam de todo atingidas por este post.
Nós sabemos que existem e gostamos que existam!
Adenda 2: O blog "Abrupto" de José Pacheco Pereira é um bom blog, bem feito e tal... Só que como tudo nesta vida, felizmente, os textos de JPP assim como os de todos nós, são discutíveis...
Mesmo quando forem (por vezes até são) muito "bons"!
10 comentários:
Concordo com o Samuel.
Se pensarmos que 25% é apenas 15 de 60 minutos, não vejo qual o problema.
15 minutos significa 6/ 7 canções. O que é isso numa hora?
Anda tudo maluco, e ainda têm a mania que defendem a cultura portuguesa...
Caro Samuel
Fui, através do seu link, ao Abrupto. Da leitura do texto de Pacheco Pereira, não concluo que esteja a menosprezar a cultura portuguesa, ou, especialmente, a música portuguesa. Aquilo ao qual Pacheco se insurge, parece-me, é a uma obrigatoriedade hipócrita de proteccionismo aos culturalmente menos dotados, um “nivelar por baixo”, como se diz na minha profissão, do tipo: coitadinhos, são «culturalmente “fracos”», então, temos de traduzir ou «aportuguesar os heróis anglo-saxónicos» e para cumprir as tais percentagens temos de ouvir pelo mesmo canal o bacalhau, a cabrinha e jazz (como ele diz). Quis-me parecer que o que ele não está para suportar é essa hipocrisia de princípios e razões, postos em forma de lei em ordem da defesa de minorias (culturais), a que chama «absurdo proteccionistas».
O que o breve texto denuncia é um hipócrita multiculturalismo, ao nível musical.
O texto peca, isso sim, por não apresentar alternativa.
Digo eu, bem entendido.
Cara Rosa
Fui lá também, não tivesse lido mal ou o post ter "mudado" e mantenho o que escrevi.
O "multiculturalismo" e os "culturalmente fracos" são os já muito batidos chavões duma certa direita "culta" que me parece mais atirarem-se ao "pluralismo" e "culturalmente incómodos".
Se reparar bem, com produtos realmente culturalmente muito fracos, estamos nós a levar todos os dias e na enchente de música anglo-americana que constitui em algumas rádios mais de 95 por cento do repertório, aqui e ali vai aparecendo o tal do multiculturalismo, só que como não é de cá já não lhes faz impressão. "World music" já soa muito bem!
Quanto ao jazz, não me fiz entender, certamente. Não defendo que uma rádio especializada em jazz passe a ser obrigada a tocar o Zé Cabra ou o "chupa no dedo". Os músicos de jazz portugueses que em Portugal criam e tocam as suas composições originais, fazem Música Portuguesa!
Qual é o problema de passarem antes ou depois do Miles Davis?
Mas claro, posso estar completamente errado e de facto os subprodutos da música americana com textos perfeitamente indigentes, e em muitos casos abaixo da "nossa" música mais pimba, tem mais direito a passar nas nossas rádios do que o Fernando Tordo, o Zé Mário Branco, outros que até passam só um bocadinho para disfarçar, e tanta gente nova que nem tenta "ter uma voz" por já saber qual é a "norma" pretendida...
É... mas devo ser eu...
Outros dirão, pois eu por estar (ainda) directamente ligado ao fenómeno, se "empreendesse" demais neste assunto, ficaria (ainda mais) maluco.
Samuel
é mais do que óbvio que não me reconheço qualquer competência para argumentar consigo ao nível da música portuguesa, a não ser para aprender (consigo).
A questão do meu comentário anterior, não era essa, mas antes a da interpretação do texto do Pacheco. Não sei se o post foi ou não mudado, porque não sou leitora do Abrupto. Fui lá, pelo seu link e o texto que lá estava nesse momento, não menosprezava a música portuguesa, na minha prespectiva de leitura. Daí o comentário anterior.
Esse texto, na leitura que lhe fiz dizia isto: eu (rosa) não quero ouvir os bacalhaus e os chupas no dedo, depois de o ouvir a si, por exemplo. Eu não quero ouvir isso, em nome do respeito por minorias...
«Não defendo que uma rádio especializada em jazz passe a ser obrigada a tocar o Zé Cabra ou o "chupa no dedo". Os músicos de jazz portugueses que em Portugal criam e tocam as suas composições originais, fazem Música Portuguesa!
Qual é o problema de passarem antes ou depois do Miles Davis?»
Ora, isso foi exactamente o que li no texto do Pacheco. Não há qualquer problema de passarem antes ou depois de Davis, mas já me insurjo vê-los intercalados por Zé Cabras.Não sejamos hipócritas, o público zé cabras é o mesmo de Davis?
Também há uma esquerda culta, bem estrangeirada, mas não é essa a questão.
Bem haja.
Cara Rosa
Decididamente isto tinha que ser calmamente, numa mesa de um café bonito (dos que já quase não há).
Ainda não chegamos lá assim...
Acha que o JPP não menospreza a música portuguesa pois apenas não quer (como nós, aliás) ouvir mais música pimba nas rádios se estas tiverem que tocar mais da nossa música.
É aí que está o ponto da questão que JPP finge ignorar... As rádios podem passar muito mais música portuguesa de qualidade sem terem que por esse motivo tocar nem mais uma música pimba. Basta passar os cantores que agora practicamente não se ouvem e há para todos os gostos.
Por exemplo: Num programa variado em que numa hora inteira de programa passem 4 cantigas portuguesas, das que já costumam passar, para atingirem os 25% terão que atingir o número "fantástico" de 6 cantigas portuguesas. Acredita mesmo que não será possível aos produtores deste programa encontrar 2 temas de qualidade, dos que agoram practicamente não se ouvem, independentemente do público-alvo do programa? Não acredito!
Quanto ao jazz... Volto ao mesmo. Eu não quero que um programa de jazz tenha que passar outro género de música, seja pimba, sejam os Madredeus, seja eu a cantar "até aprender". Não quero eu, não quer a Rosa e não quer (e bem) o JPP. O problema é que algo desonestamente, o JPP de facto insinua que é isso que o tal programa de jazz será obrigado a fazer se tiver que passar música portuguesa, fingindo que não sabe que existem resmas e resmas de discos de jazz português para e por passar.
E já agora que ficámos nesta conversa amigável e longa (!), aproveito para dizer que defendo as percentagens de música portuguesa (não sei quanto) para a média da estação em geral o que permite perfeitamente que nessa rádio coexistam programas que não passem uma única música nossa, ao lado de outros que se dediquem quase exclusivamente ao fado, à história da música de intervenção, ao rock português ou à música tradicional, sem guerras nem estados de alma. E pode haver mais e justificadas excepções...
Não era agora que eu ia começar uma carreira de fundamentalista!...
Abraço.
Já não vou acrescentar mais nada, mas concordo contigo, Samuel. Passem música portuguesa, que temos muita, e muito boa. Mas avisem quando passar o zé cabra e os outros, para eu desligar o rádio...
Quam ganha com este teu post é o conta visitas do Abrupto, hehehe
Abraço
«O "multiculturalismo" e os "culturalmente fracos" são os já muito batidos chavões duma certa direita "culta" que me parece mais atirarem-se ao "pluralismo" e "culturalmente incómodos".»
aqui só entre nós: estavas à espera de quê exactamente, ao ler JPP, sam?
O gosto dos outros?
Sempre o gosto dos outros, o meu e o teu, o nosso gosto. O Gosto deles/as.
Há câmaras insuspeitas que promovem ToNYs Carreiras não?
Há festas distintas com estes cantores , dizem -me....
O problema está nos interesses das empresas discográficas que não apostam nem em meios técnicos nem nos cantores com provas dadas com boa música portuguesa. SerÀ?
De facto o gosto dito pobre dos outros entrelaça-se com o gosto o novo- riquismo em diversas âreas, e não sÓ?
Quantas queima das fitas com Quim Barreiros, quantos espectáculos, Mónica Sintra ....eles/elas dizem fazer no estrangeiro, quantos....?
Todas as culturas os têm até nas décadas isso existiu , cá é mais díficil, só que por cá Há muitos mais pobres e não só de ouvido .
Percebo que goste/es, mas isso . não participa do meu gosto.- digo
Sou quase sempre morto a tiro, só porque o gosto dominado requer tudo o que faz dele dominante :
entrevistas
promoções
descontos
preço verde
reprises de espectáculo via tv1
O gosto tem sempre qualquer coisa mais , não é ?
Uma primeira SAUDAÇÃO AMIGA.É a primeira vez que te visito e não posso estar mais de acordo contigo e com outros comentários que li aqui.A cultura não é só uma forma de lazer e para ocupar o tempo,é mais do que isso como tu e eu sabemos .É precisa para se conseguir dignidade e identidade e por isso há que lutar por ela.Os artistas não estão todos do mesmo lado nem nunca estarão , tal como os políticos, há interesses opostos, ainda que sejam , por vezes provenientes das mesmas classes sociais. O JPP sempre deu umas no cravo e outras na ferradura ao mesmo tempo e não é dos piores...uma coisa, digo eu, é certo manter as gentes deste país num caldo de cultura de baixo nível, seja musical , literária ou informativa ou ... é do interesse de quem domina, de quem manda... é mais fácil enganar os ignorantes e sobretudo não os deixar margem de escolha ou de nem sequer que saibam o que existe . É tarde para dizer mais, outro dia continuaremos a ler e a comentar. Abraço.Rui.
Excelente post: e está (quase) tudo dito.
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