Pelas tristes razões habituais, os organizadores do protesto conseguiram juntar apenas algumas dezenas de pessoas para, como estava previsto, fazer um cordão humano para momentaneamente cortar o trânsito na (quase totalmente) ruela urbana, cravada de semáforos, passadeiras de peões, bicicletas, gente a pé, habitações, estabelecimentos comerciais de onde entra e sai gente distraída e crianças a correr... pomposamente chamada Estrada Nacional 125.
Não vou pronunciar-me sobre a mais do que justa luta contra essas portagens. Aquilo que me prendeu a atenção numa das reportagens televisivas sobre mais esta acção de protesto, foi (como é costume) um pormenor.
Um jovem casal, instalado no automóvel, prestou-se a fazer algumas declarações para a jornalista de serviço. Diz ele:
- Com os aumentos de preços e impostos e cortes nos ordenados... esta nova portagem vem na pior altura...
- Portanto, vai participar no protesto – arriscou a jornalista.
- Não, não! Estou de férias...
Não é sequer original. O país está coalhado de gente desta “raça”. Estou certo de que se a luta dos utentes da “Via do Infante” for coroada de êxito, o jovem ficará muito satisfeito com o resultado conseguido por aqueles poucos “malucos” que vão para a rua com cartazes e palavras de ordem...
Assim como ficará muito satisfeito, como os da sua “raça” têm ficado ao longo de toda a vida, sempre que conseguir uma nova regalia, ou um aumento de salário, arrancados a ferros pela teimosia dos militantes comunistas, sindicalistas e outros, que desde muito antes do 25 de Abril dão o melhor da sua força, do seu tempo livre, do seu empenho e, muitas vezes, da coragem pessoal, para conseguir as “pequenas coisas” de que são feitos os avanços na História do trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Quantas vezes, colocando-se na primeira linha para os despedimentos, prejuízo nas carreiras profissionais, etc.
Tudo isso enquanto os nossos “jovens casais” e milhares de seus semelhantes, vão ficando em “férias” eternas. Férias de convicções, férias de carácter, férias de verticalidade na coluna vertebral, férias da mais simples solidariedade...
De uma actividade, pelo menos, nunca tiram férias: sentarem-se nas esplanadas, ou murmurarem nos locais de trabalho... insultando os tais militantes comunistas, sindicalistas e outros, de tudo o que lhes vem à cabeça. Que “não querem é trabalhar, que vivem à conta do sindicato, que não passam de comunistas que querem é destruir as empresas e os empregos para poderem fazer mais manifestações com bandeiras negras e da CGTP, para aparecerem nos telejornais...”
Curiosamente, nunca vi um destes trastes recusar um aumento de salário, de subsídio de refeição, um melhor horário, ou seja lá o que que for... conseguido pela luta desses militantes que tanto desprezam.