Como já disse antes, não tenho estados de alma provocados pelo passamento de José Hermano Saraiva. Isso quer dizer que para mim o mundo ficaria exactamente igual, estivesse ele ainda vivo, ou como está agora. Quer dizer ainda que só muito relutantemente e com sentido do desperdício de tempo, vou gastar mais um balde de cal e duas badaladas com o famoso artista de variedades que se especializou no género de fábula histórica... um eufemismo para mentirolas descaradas.
O caso é que, entre as centenas de reacções das mais diversas pessoas, desde as que se limitam a dizer “já vai tarde”, aos que acham sempre bem fazer elogios aos mortos e os saudosos do fascismo, até aos que se têm desdobrado em insultos violentos, por toda parte, a quem ouse beliscar a figura do “grande português”, ou do “patriota”, ou ainda mais delirantemente, ao grande “historiador”, não resisto a destacar a reacção do pedestre Passos Coelho que, sendo certo que lhe fica bem, enquanto primeiro-ministro, dar os pêsames à família e amigos e alinhavar qualquer coisa genericamente simpática sobre o falecido, tipo “grande perda”, “grande comunicador”, etc., etc... escusava bem de se ter “esticado” ao afirmar que José Hermano Saraiva «foi uma personalidade que teve um percurso cívico extraordinário». A menos que o pense, efectivamente, como alguns pormenores do seu recente percurso político deixam adivinhar.
A ser assim, parto do princípio que Pedro Passos Coelho está a incluir no “percurso extraordinário” o salazarismo reivindicado até à morte, o elogio do fascismo português, segundo ele, a «única ditadura que não matou ninguém» (sim... acho que todos vocês repararam que ele tinha o hábito de mentir descaradamente sobre a História), o ministro responsável pela violência sobre estudantes e a interrupção abrupta das carreiras académicas de alguns mais reivindicativos, para irem cumprir compulsivamente o serviço militar na guerra colonial, o que acabou por resultar na morte prematura e inútil de alguns desses jovens universitários.
Como estas declarações de Passos Coelho foram feitas de improviso durante uma visita a Maputo, onde se deslocou para uma reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, espero que logo a seguir tenha explicado aos representantes da Guiné, Moçambique, Cabo Verde, Angola e São Tomé, a forma “extraordinariamente cívica” que Hermano Saraiva usou para um dia dizer que «foram os portugueses que levaram a civilização para a África e que, com a saída dos portugueses, todos aqueles territórios ficaram menos civilizados».
Ah... e não me venham falar em perdão e essas tolices, pois isto aqui não é uma sacristia, muito menos um confessionário... e mesmo aí, consta, para que o sacerdote finja que perdoa, é necessário que o “pecador” pelo menos finja que se arrepende.
6 comentários:
Muito bem, Samuel!
Um fascista que morreu é um fascista que morreu.
Quem aproveita a morte de um fascista confesso para tecer loas ao fascista que morreu e o condecora (antes que ele morra, como o fez o PdaR...) e/ou o eleva ao grau de extraordinário percurso civico - a seu conceito - são fascistas que ainda não morreram.
Quanto à afirmação "ditadura que não matou ninguém" tem o carimbo de quem só considera assassino quem puxa o gatilho e não quem dá ordem de fogo (o rol dos crimes da "ditadura de JHSaraiva" é infindável) e cúmplices são os que branqueiam o fascismo tarrafalista (e de tantos outros "emblemáticos lugares") e a guerra colonial a pretexto da morte de deles.
O "comunicador" e "historiador" (cuja idoneidade se mede pela sua avaliação da "ditadura" e do "ditador") morreu? Não sirva a sua morte para ajudar a viver as raízes fascistas não extirpadas.
Um grande abraço
Tinha prometido a mim mesmo seguir o ditado popular e não gastar um grama de cera mas,há coisas que se não podem,nem devem lavar,há coisas que não são perdoáveis para não esquecerem.
Muitos jovens foram mandados para a guerra,é muito pouco,foram perseguidos durante todo o serviço militar,mandando-os para sítios onde houvesse mais probabilidade de serem assassinados.
Encontrei,nas profundezas da mata,abandonados e quase sem meios,vários camaradas,todos eles tinham um denominador comum,eram lúcidos.Dirigentes académicos,cantores de Coimbra,mas também de Lisboa,alguns porque simplesmente tinham um amigo,ou amiga,considerado/a do contra.
Essa gente era assassina sem escrúpulos.
Muitas casas,na linha,foram construídas sobre esses cadáveres.
Fico por aqui,enquanto consigo manter alguma calma e isto descambe.
Um abraço,
mário
Será que o Passos Coelho quererá seguir o percursso cívico do fascista Hermano Saraiva?
Eu não tenho dúvidas. É preciso redobrar a atenção e a resistência.
Um beijo.
Como muitas estorias do professor eram lendas, "evidentemente", como ele dizia, tambem o fascismo em Portugal era uma lenda, dirão um dia outros que virão.
Não é fascista quem quer!
Pois!!!E assim se faz a História...
Eu ceguei na guerra colonial e tenho a certeza que muitos morreram conscientes que estavam com armas na mão contra a sua consciência. Estas são as vítimas do "comunicador".
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