(Abel Manta – “Detenção”)
O meu 25 de Abril deste ano foi passado entre Montemor-o-Novo e Avis. Sempre entre amigos. Sempre entre sentimentos e sorrisos quentes. Ao som de músicas familiares.
A noite de 24 passou-se em Montemor, com um “íntimo” concerto de amizade entre técnicos, músicos, eu e o José Jorge Letria, que aceitou o meu desafio de vir até aqui para ler o seu longo, belo e emocionante texto poético, a que chamou “Uma carta ao Zeca”. Lida à mistura com um bom punhado de canções do mestre, que escolhi tendo o cuidado de incluir algumas das (infelizmente) menos conhecidas, esta “Carta ao Zeca” resultou num “objecto cultural” que nos deu tanto prazer... que não vai ficar por aqui. Nasceu um novo espectáculo que irá andar por aí... provavelmente, acompanhado de um livro/CD... e cimentado por uma amizade de muitos anos.
O dia 25 foi reservado para Avis. Como as canções que tinha para cantar neste dia foram transferidas para o 1º de Maio, fiquei livre de ir até Avis apenas como público, embora um dos grupos convidados a participar na festa tenha um “som” e um reportório que saem deste computador/estúdio em que escrevo... e seja dirigido por uma tal Maria do Amparo. O grupo ia cantar o “Livre” (não há machado que corte...) e a “Grândola”, uma na abertura da festa e a outra a fechar.
A festa era o próprio 25 de Abril, ou melhor, uma encenação/recriação dos anos que o antecederam, das lutas que o tornaram inevitável e da festa que se seguiu. Foi uma realização da companhia de teatro“Vivarte” e valeu bem a viagem.
Ali se ouviu falar da fome nos campos, das lutas por melhores salários e horários de trabalho um pouco menos desumanos; ali se viu a presença constante da GNR, defendendo os interesses dos latifundiários; ali se assistiu à representação da tortura de Germano Vidigal no posto da GNR de Montemor, tortura que resultou na sua morte às mãos dos torturadores. O assassínio seria registado no relatório como “suicídio”.
(Nesta altura, alguns elementos do público optaram por se afastar e deixar correr algumas lágrimas às escondidas. Um deles canta no tal nosso “Grupo de Cantares de Ervedal”... e ainda não é capaz de olhar para “aquilo”... mesmo tantos anos passados e sabendo que é uma representação)
Ali chegaram cartas da guerra, escritas no mato, contando a morte de mais um camarada e falando dos vivos, cá e lá, trespassados de saudades; ali os capitães e soldados marcharam novamente sobre Lisboa e derrubaram o fascismo...
Rapidamente chega a festa, a leitura integral d’ “As portas que Abril abriu”, a “Grândola vila morena”, música popular improvisada, danças entre os soldados, ceifeiras e camponeses atores e atrizes, misturados com o público, onde estão, já avançados na idade e carregados de História, alguns desses camponeses e ceifeiras a sério... e a gente mais nova que ali estava enchendo o grande largo do Convento de São Bento da Ordem de Avis.
Como aquilo não era uma festa de gente distraída, andavam por lá rondando, no fim, três figuras vestidas de negro, três cangalheiros com pastas de executivo onde se podia ler “FMI”, “BCE”, ou “Troika”...
Tudo isto a mostrar que entre a linha do Atlântico e a Espanha há um país. Um país que só aparece nos jornais se o padre fugir com uma paroquiana, se alguém matar o vizinho, ou se um homem morder um cão. Um país com gente que ainda tem sonhos e projetos diferentes daqueles que fazem as primeiras páginas e as aberturas de telejornais.
Um país que está longe do pensamento único da anestesiada e soporífera “comemoração” de um Abril traído e em coma, nos jardins do Palácio de Belém. Um país que resiste!
7 comentários:
Os parabéns pela crónica, é por ela e por muitas outras que ficamos a saber que há vida no nosso país, mesmo que haja muita gente a querer dar cabo dela.
Gostei da letra miudinha...
Abraço.
Foi bonita a Festa pá, com a nossa gente!
Samuel tu és Abril! a tua Voz, o Povo e os Cravos.
Gostei desse projecto...
BJS,
GR
Ouvi hoje o Zeca (Afonso, claro) falar no 10º aniversário de Abril. Poderia ter sido dito hoje que estaria rigorosamente actual. Nada de espantar, porque "O Conde de Abranhos" é muito mais antigo e serve na perfeição para retratar este país triste, mas que resiste.
Um abraço, amigo. Um abraço amigo.
Daniel
Que bem que cantas e falas deste "país que resiste"!!!!!
Um beijo.
Quando se deixou de ter medo da morte não há nada que justifique o nosso virar as costas à luta.
Foi bonito o teu 25 de Abril!
Cá fico à espera do tal CD e livro...
Entretanto vou ver outro país que também resiste! Depois volto :)))
Abreijos, já com saudades.
Este pequeno país "ainda há-de ser um imenso Portugal".
Um beijo.
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