sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ei-los que partem, novos e velhos, buscar a sorte noutras paragens... *


Em Abril de 1965, o semanário La vie ouvrière da grande central sindical francesa, a “CGT”, fazia a sua capa com um António, trabalhador portugais que, lá dentro, explicava as razões de ter ido para França. Provavelmente seria vizinho destas “Marias”, deste “Souza” com os “ss” ao contrário na sua caixa de correio de um qualquer bidonville dos arredores de Paris, ou deste outro “Manuel” que todas as manhãs deixava a marca dos seus passos na lama funda da rua do bairro da lata, a caminho das obras de Saint Denis, ou de Nanterre, ou de Champigny...
Como incentivo, tinham apenas a necessidade extrema. Como consolo, apenas a fé (a maioria). Como objetivo, o sonho de voltar à sua terra. Como ajuda solidária, para além de alguns portugueses que clandestinamente faziam trabalho político junto da comunidade, tinham esta gente estranha, francesa, organizada em sindicatos e que falava de política, de direitos, de reivindicações, de luta de classes... tudo isso às claras, na rua ou no trabalho, coisa que devia provocar a maior estupefacção, senão mesmo medo, aos portugueses e portuguesas, bem lembrados de como “elas mordiam” a quem assim ousasse pensar, quanto mais falar abertamente, nas oficinas e campos que tinham deixado para trás no Portugal cinzento, amordaçado e fascista desses tempos.
Todos fugiram da fome e da guerra. Alguns, mais da guerra.
Esta velha necessidade de partir em busca de pão, que muitos gostam de pintar em tons de “gosto pela aventura”, vem de muito longe. Desde o povoamento das ilhas atlânticas, à colonização das costas africanas e uns pequenos pontos nos mapas das Índias e da Ásia, até à verdadeira debandada para o Brasil, antes e muito depois da sua independência. Fomos desenhando um mapa da fome lusitana na África do Sul e Venezuela, nos EUA... e, finalmente, em finais dos anos 50 do séc. XX, “descobrimos” a Europa.
Aí estava o novo “El dorado enlameado das intermináveis obras de construção civil, sobretudo na França e na Alemanha, países acabados de sair de uma guerra que os tinha oposto, mas cheios de dinheiro nas mãos e urgência em construir novas cidades, de preferência com mão de obra numerosa e barata.
Hoje, a fome volta a bater à porta de milhares de portugueses, mesmo os mais escolarizados. Estamos a repetir os números fabulosos da emigração dos anos 60 do século passado.
Antes que algum de vocês fique com a impressão de que eu estou a tentar mostrar saber alguma coisa sobre a história da emigração portuguesa, digo já que não. Toda esta sequência de imagens me veio à cabeça, ao ver que a “cavacal” figura que faz de nosso Presidente, não se tem calado com “os nossos emigrantes”, desde que começou a fazer o caminho preparatório para este 10 de Junho... ou “dia da raça”, como lhe chamou há uns tempos.
Mesmo sabendo que alguns portugueses emigrados, trabalhando muito, conquistaram o direito a uma vida confortável, que outros, descobrindo a “arte” da exploração do seu semelhante, enriqueceram... ou que outros, fazendo sabe-se lá bem o quê, ficaram podres de ricos, como Joe Berardo... mesmo sabendo disso, como dizia, não consigo deixar de ver este “filme negro” em que a esmagadora maioria dos portugueses forçados à emigração foi maltratada, abusada e desprezada pelo seu país.
Por isso me soa tão estranha esta ladainha de Cavaco para com os emigrantes em geral e que, segundo ele, «devem ajudar Portugal nesta hora de dificuldades», ainda por cima, recorrendo à tristemente célebre frase «Todos não somos demais...».
Já há muitos anos que milhares e milhares de portugueses emigrados o fazem com as suas remessas, de que o país tem largamente beneficiado. Fazem-no para ajudar as suas terras de origem, para ajudar as suas famílias... e porque são patriotas, capazes de um patriotismo que os “Cavacos” deste mundo não têm dimensão humana para entender.
Provavelmente, Cavaco Silva também está bem ciente de como Portugal tem tratado os seus cidadãos que obriga a emigrar... e este seu discurso é, afinal, um exercício de que eu não o suspeitava capaz: ironia.

* Com um agradecimento ao Manuel Freire por esta cantiga, uma das muito raras em que é autor também das palavras: “Ei-los que partem”.

9 comentários:

Maria disse...

Provavelmente uma canção actual... 37 anos depois de Abril!

Abreijos
(tanto para te ler...)

Dona Sra. Urtigão disse...

Triste situação.

Antuã disse...

O Cavaco é de fraca raça.

Fernando Samuel disse...

Deixa lá: «não há Cavaco que corte, a raiz ao pensamento»...

Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

Que bem escrito e explícito está este post!!!!!

E ei-los que partem novamente, sem esquecer o esu país que, patrioticamente, continuam a ajudar com as suas rsmessas.

Um beijo.

RC disse...

Um tema cantado pela voz do Manuel Freire que eu gosto muito de ouvir. Uma dia destes, eu também parto...

Anónimo disse...

Ainda me lembro de desfilar nas Avenidas de Luanda e de me ver quase a chorar nos desfiles no dez de Junho do famoso Capitão Robles e de tantos heróis desconhecidos, que como eu conservam este Amor Pátrio digno de realce desde o tempo em que Afonso Henriques andou em guerra com a sua Mãe:
AMOR PÁTRIO
E no dia dez de Junho
os homens no Alentejo
iam de foice em punho
às ceifeiras dar o beijo
-
e já não temos o cereal
nem no Alentejo celeiro
mas temos em Portugal
o amor são e verdadeiro:
-
Camões com Condessa
e ainda com a Leonor
dizias-lhe vamos nessa
e vamos lá ó meu amor
-
Por isso foi a Marrocos
e prá Índia foi destacado
e caíram nele uns cocos
ficou com olho vendado!
-
é o Camões que escolho
não houve melhor depois
rimou bem com um olho
melhor que eu com dois!
-
lás nas terras de Angola
de Caripande a Cabinda
todo o bravo se consola
com uma pretinha linda!
-
mas eu falo de literatura
e das cantigas de amigo
d'escárnio duma criatura
e dum mal dizer contigo!
-
eu falo dum Gil Vicente
falo dum António Vieira
como ensinavam à gente
ai a falar na brincadeira;
-
a farsa do Velho d'Horta
e a farsa de Inês Pereira
era um princípio da torta
p'ra moça na brincadeira!
-
e nós temos ainda o Eça
um Garrett e um Camilo
cada um escrevia a peça
com o seu melhor estilo!
-
O Júlio Dinis e o Bocage
são exemplos de escritor
em que a sua mente age
só pensando neste amor!
-
desculpem pela omissão
mas eu que sou de Tunes
não falo de bons que são
bons como Lobo Antunes!
-
numa sopa de Caripande
que parecia um cimento
e digo enquanto cá ande
que ela foi meu alimento!
-
De Tunes era Palma Inácio
e na Figueira deu à palma
a milhares de um “Horácio”
rezemos cá pela sua alma!
-
gosto muito de ver farsa
a farsa de nosso primeiro
é de um falso comparsa
qu'enganou Puto inteiro!
-
Não gosto do Saramago
foi para uma ilha deserta
enquanto teve o seu bago
não aceitou nossa oferta?
-
o Robles foi nosso herói
e desfilou cá nesta data
mas há algo que me dói
o mal do Marcelino Mata!
-
há tanto herói escondido
neste Portugal profundo
e para mim o Remechido
foi o melhor deste mundo!
-
Eugénio dos Santos

Graça Sampaio disse...

Não é ironia, porque ele seria incapaz de usar uma figura de estilo que exige inteligência... É mesmo cretinice!

Anónimo disse...

Não tem vergonha o cretino pedir aos emigrantes que ajudem o Paìs, ele e os amigos é que deviam ajudar repondo o que lucraram com as acções que adquiriram, uma vergonha.