quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Cultura – Já não puxam da pistola, mas...


Tal como tinha anunciado, o passado dia 11, destinado a percorrer vários pontos do distrito de Évora na companhia de Jerónimo de Sousa, começou no Polo de Artes da Universidade de Évora. Novas estruturas à mistura com o esqueleto de uma velha e histórica unidade fabril da cidade, a Fábrica dos Leões, primeiro moagem, no princípio do Século XX, depois, fábrica de massas alimentícias, situada fora da cidade e apenas uma sombra dos tempos em que foi a maior fábrica do Alentejo.
Aí, tendo como anfitriã a professora de teatro e grande atriz Fernanda Lapa, ouvimos das dificuldades dos trabalhadores não docentes, dos professores e das lutas dos estudantes. Da sua luta para que terminem as obras que duram e duram e duram... para que haja orçamento para as acabar, para que os preços na cantina, recém privatizada, não sejam (pelo menos isso!) mais elevados do que os dos cafés e restaurantes da cidade (que fica bem longe!); também, da satisfação pela vitória numa das suas mais “quentes” reivindicações: o direito a não congelar durante as aulas, finalmente cumprido, desde que chegou o tão esperado aquecimento.
Fica-se animado por ver e ouvir aquela gente ainda tão nova a falar, fica-se desolado por constatar que, mesmo dentro de uma Universidade, a cultura e a arte são os “parentes pobres”. Se é assim dentro das Universidades, que poderemos esperar cá fora, numa sociedade dominada (e governada) por tecnocratas, “patobravismo”, especulação e ignorância triunfante?
Pormenor definidor da relação que as grandes empresas e a banca têm com as Universidades, com os cursos que acham poder vir a ser-lhes úteis e “os outros”, esses das artes, os incómodos: estudantes e professores fizeram formalmente um pedido ao BES, o banco “preferencial” da Universidade, para que fosse ali instalado um terminal de “Multibanco”, o que facilitaria enormemente a vida a toda a gente nas suas constantes despesas diárias, dada a grande distância a que estão os terminais do centro da cidade. A resposta do Banco tinha chegado havia poucos dias. Sim, seria possível atender ao pedido, mediante o pagamento de uma taxa de mais de mil e quinhentos euros... por mês! Decididamente, estas artes da Universidade de Évora não devem pertencer à classe de artes com que o BES gosta de aparecer nas fotografias e parangonas de jornais.
E aqui chegamos ao nosso amigo Abílio Fernandes que foi, durante bons anos, o Presidente da Câmara de Évora e que teve o gosto amargo de ouvir, da boca de um professor que, declaradamente, nada tinha que ver com o PCP ou a CDU, o quanto a autarquia desinvestiu na cultura, desde que ele deixou de estar à frente da sua gestão. Então, gostaste de ouvir o elogio? – perguntei-lhe. «Isto é muito triste, mas às vezes é bom ouvir» – confessou. Foi ele que tirou esta fotografia, cá fora, junto ao bar do Polo das Artes, enquanto partilhávamos com Jerónimo de Sousa o cafezinho que sempre nos permite parar um pouco, desconstruir alguma da tensão que se vai acumulando enquanto alinhamos razões, protestos, indignações, projetos... ora pela conversa informal, ora pela piada a propósito (há sempre quem tenha uma ou duas...), ora pela nossa capacidade de (felizmente!) rirmos das nossas próprias fraquezas. É aí que vem à memória o Zé Carlos Ary e um pormenor da sua “Tourada”:
          “Nós vamos pegar o mundo
          pelos cornos da desgraça
          e fazermos da tristeza
             graça”

8 comentários:

Manuel Norberto Baptista Forte disse...

Isto está realmente a ficar uma "grande tourada", outra vez. Hoje são falsos socialistas que tiveram sérias responsabilidades no desvio do natural percurso derivado do 25de Abril de 1974 (Dia da Liberdade), que entram logo pela porta grande, e abruptamente investem em tudo o que mexe, mas de olhos abertos.
"Ontem", eram os fascistas que entrando por porta semelhante, espalharam o abstraccionismo, e a ditadura.
Compete-nos a TODOS fazer-lhes frente e pegá-los (novamente) ... de caras.
Viva a candidatura patriótica e de esquerda persofinificada únicamente em . . . Francisco Lopes.

Graciete Rietsch disse...

Até os opositores reconhecem o valor do PCP ou da CDU.

Um beijo.

Suq disse...

Pois, já não fabricam as massas pró leões

Eles comem tudo

E, não sobrou nada!

Eduardo Miguel Pereira disse...

Não puxam da pistola ... mas se calhar "matam" tanto ou mais.
Eu nesta matéria até me queixo de barriga cheia, porque sendo um orgulhoso Almadense, confesso que cultura e apoio da Câmara à cultura é coisa que aqui não falta.
Nem sei mesmo se não seremos um exemplo quase único no País ?
Coisas de comunistas ...

GR disse...

Abílio Fernandes deixou obra feita, um grande autarca que nos trouxe sempre muito orgulho.
Já agora A.F. é também um bom fotografo!

Bjs,

GR

Fernando Samuel disse...

Este Zé Carlos está todos os dias em todo o lado...


Um abraço.

Elísio Alfredo disse...

Que belo naco de prosa, Samuel. Esta tua crónica engoliu, de um só trago, a amisão. Bem se esforçam por esconder, mas como diz na citação final no texto, sobraremos nós para fazermos "da tristeza, graça".

Zé Canhão disse...

É preciso pegar os reaccionários pelos cornos.