sexta-feira, 12 de agosto de 2011

José Manuel Osório (1947-2011)




Foi um cantor de Abril. Dos aguerridos. Daqueles que já cantavam Abril antes de ele acontecer. Muito cedo decidiu que o fado não poderia ficar prisioneiro do triste e vil cinzentismo em que tinha mergulhado durante o salazarismo... e trouxe-o, de armas e bagagens (e algum escândalo), para o meio das cantigas de protesto, para o campo da música de intervenção. Antes de Abril, cantando contra o fascismo, a guerra colonial, pela liberdade. Depois de Abril, pela Reforma Agrária e todas as demais conquistas...
Juntos fizemos milhares de quilómetros de “cantos livres”, por montes e vales, aldeias e cidades. Juntos participámos na fundação do grupo de teatro “A Barraca”. Juntos sonhámos um mundo melhor. Deu-me a conhecer inenarráveis fados operários, antigos, daqueles que eram cantados pela calada por gente vestida de ganga...
Há muitos anos, depois de muito tempo sem nos vermos, perguntei-lhe (como sempre se pergunta) “então e estás bom”?... respondeu-me que não, que estava doente e exactamente de quê. “Vou aparecer aí um dia destes” – disse eu... estávamos em 1985.
Quando lhe telefonei, uns dias mais tarde, para nos encontrarmos, dizendo que estava em Lisboa, vindo do Porto, ficou muito surpreendido. Quando, horas depois o cumprimentei (cumprimentámos, já que a “Ampara”, como lhe chamava, também estava presente) com um apertado abraço, senti que se comoveu. Percebi então que quase toda a gente “do meio” o tinha abandonado. Com o passar dos anos e o esbater do medo... a situação acabou por melhorar.
(Estou certo de que muitos deles estarão na primeira linha do funeral)
Os últimos quase trinta anos foram de grande produção artística, nos bastidores. O José Manuel Osório tornou-se um estudioso do fenómeno do fado e deixa obra publicada em belíssimas e cuidadas colectâneas de gravações em CD e vários textos.
Os últimos quase trinta anos, preencheu-os também com a sua disciplinada e obstinada luta diária contra a SIDA, uma luta de contornos fantásticos. Uma luta que foi um inestimável exemplo para muitas centenas de infectados com o vírus (alguns mesmo antes de nascer). Um exemplo de resistência e profundo amor à vida.
Ultimamente (a última vez, pelo Facebook) comunicávamos de tempos a tempos... sempre com projectos de encontros futuros...
- Nunca mais ninguém me chamará em publico “Ezequiel”... com a naturalidade com que o fazias, para espanto de quem nos rodeava e apostaria que me conhecerias bem melhor...
- Nunca mais terei ninguém que cante comigo a duas vozes o “Simón Bolívar” dos “Inti-Illimani”, como tu cantavas!
Até sempre amigo!


18 comentários:

do Zambujal disse...

Um grande abraço!

vovó disse...

Querido Zé Manel! Até Sempre!!
beijocassss da "tua ampara"...

Graciete Rietsch disse...

Mas a sua luta continuará no ânimo e nas canções dos seus amigos resistentes.

Um beijo para ti, transmitindo a saudade e o desgosto pela partida de mais um amigo.

Justine disse...

Em silêncio, com a tua tristeza, em homenagem ao resistente que foi JMO!

Hilário disse...

Até Amanhã Camarada, JOSÈ!

Orlando Gonçalves disse...

Este homem foi de facto um exemplo de luta e tenacidade, não só pessoal mas também colectiva. Sempre o admirei pela constante batalha que travou contra o preconceito, sempre o admirei porque apesar de muitos o terem esquecido, ele, nunca se esqueceu dos outros e esteve sempre na linha da frente da luta pela vida e com todos os que queriam uma vida melhor. Hoje partiu uma parte dessa luta, hoje todos nós ficámos mais pobres, o coração parou de bater, mas os ideais porque sempre lutou, continuam na ordem do dia. Obrigado Camarada Osório pela luta que travaste contra o preconceito 3e pelo exemplo de vida que nos deixaste. Um até sempre, nós continuaremos a tua luta. Abc

Eduardo Miguel Pereira disse...

Um exemplo de coragem, de luta e de dignidade.
O Homem foi, a obra ficou.

trepadeira disse...

Um abraço solidário,
mário

Clube Europeu ESJAL disse...

Vou levar este post para a página da Escola para que os jovens conheçam melhor o seu percurso!
Lamento que tenha perdido o amigo.

lino disse...

Um grande abraço solidário.

Anónimo disse...

Um abraço solidário.
Vicky

Maria disse...

Sem palavras, um grande abraço para ti.

Manuel Norberto Baptista Forte disse...

Sem sombra um grande SENHOR da vida Portuguesa, a quem simplesmente digo: até um dia.

Fernando Samuel disse...

Para o Zé Manel UM IMENSO ADEUS.

Um abraço.

Nuno Sousa disse...

Que descanse em paz.

RC disse...

Onde quer que esteja, estou convencida que está bem melhor do que muitos aqui em baixo.

Ana Alves Miguel disse...

Já a Festa do "Avante!" assentava arraiais na Atalaia e o José Manuel Osório levou à abertura do palco no Auditório 1.º de Maio o fado. O fado não é a minha preferência musical mas faço por conhecê-lo e vi essas sextas-feiras mágicas em que cantaram artistas de várias gerações... um dos que me recordo foi o Vasco Rafael. E nos bastidores o José Manuel Osório pronto para que nada faltasse. Ana Alves Miguel

mariarelvao disse...

12 de Agosto foi mais um dia triste e cinzento ! porque Homens com a dignidade deste não devem abalar, sr de muitos momentos únicos, antes da doença e após a doença, foi bem ter partilhado com ele momentos mágicos cheis de força ternura e carinho, obrigado Moço,até sempre.