Mais uma vez, um protesto contra a introdução de portagens na única estrada viável para atravessar o Algarve, a A22, mais conhecida por “Via do Infante”.
Pelas tristes razões habituais, os organizadores do protesto conseguiram juntar apenas algumas dezenas de pessoas para, como estava previsto, fazer um cordão humano para momentaneamente cortar o trânsito na (quase totalmente) ruela urbana, cravada de semáforos, passadeiras de peões, bicicletas, gente a pé, habitações, estabelecimentos comerciais de onde entra e sai gente distraída e crianças a correr... pomposamente chamada Estrada Nacional 125.
Não vou pronunciar-me sobre a mais do que justa luta contra essas portagens. Aquilo que me prendeu a atenção numa das reportagens televisivas sobre mais esta acção de protesto, foi (como é costume) um pormenor.
Um jovem casal, instalado no automóvel, prestou-se a fazer algumas declarações para a jornalista de serviço. Diz ele:
- Com os aumentos de preços e impostos e cortes nos ordenados... esta nova portagem vem na pior altura...
- Portanto, vai participar no protesto – arriscou a jornalista.
- Não, não! Estou de férias...
Não é sequer original. O país está coalhado de gente desta “raça”. Estou certo de que se a luta dos utentes da “Via do Infante” for coroada de êxito, o jovem ficará muito satisfeito com o resultado conseguido por aqueles poucos “malucos” que vão para a rua com cartazes e palavras de ordem...
Assim como ficará muito satisfeito, como os da sua “raça” têm ficado ao longo de toda a vida, sempre que conseguir uma nova regalia, ou um aumento de salário, arrancados a ferros pela teimosia dos militantes comunistas, sindicalistas e outros, que desde muito antes do 25 de Abril dão o melhor da sua força, do seu tempo livre, do seu empenho e, muitas vezes, da coragem pessoal, para conseguir as “pequenas coisas” de que são feitos os avanços na História do trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Quantas vezes, colocando-se na primeira linha para os despedimentos, prejuízo nas carreiras profissionais, etc.
Tudo isso enquanto os nossos “jovens casais” e milhares de seus semelhantes, vão ficando em “férias” eternas. Férias de convicções, férias de carácter, férias de verticalidade na coluna vertebral, férias da mais simples solidariedade...
De uma actividade, pelo menos, nunca tiram férias: sentarem-se nas esplanadas, ou murmurarem nos locais de trabalho... insultando os tais militantes comunistas, sindicalistas e outros, de tudo o que lhes vem à cabeça. Que “não querem é trabalhar, que vivem à conta do sindicato, que não passam de comunistas que querem é destruir as empresas e os empregos para poderem fazer mais manifestações com bandeiras negras e da CGTP, para aparecerem nos telejornais...”
Curiosamente, nunca vi um destes trastes recusar um aumento de salário, de subsídio de refeição, um melhor horário, ou seja lá o que que for... conseguido pela luta desses militantes que tanto desprezam.
15 comentários:
Excelente texto!
Um abraço.
Nem todos têm a frontalidade dum lambedor de cinzeiros...
Abraço
João
Deve ser um dos casais de "sucesso" à custa dos outros.
A ganância e o egoismo dá nisto.
Um abraço,
mário
Esse coalho a que te referes tão esclarecidamente teve um dia um comentário do género "Bem, ele não recebeu prémio porque pertence à Comissão de Trabalhadores." Ou seja, explicando melhor, é perfeitamente normal que quem defende os seus pares não receba a mesma recompensa que eles, mesmo que no "ranking" das tais "rigorosas" avaliações de desempenho tenha sido classificado em primeiro lugar.
A esperança é que alguma coisa boa resulte deste coalho, talvez ainda nesta geração.
Excelso artigo.
Mas os Senhores continuam a pensar que os aumentos de salários, quando acontecem, são resultado da vossa "luta" e da "luta" dos sindicatos????
Esses aumentos só são possiveis, por esforço dos trabalhadores, a trabalhar, e de quem organiza o seu trabalho e ainda, de quem lhes paga reconhecidamente por esse trabalho.
É tão simples!!!!!
Mas se ainda acreditam, continuem a "lutar", perdão a "sonhar"
O chato do costume...
Chato do costume:
Estou mesmo a ver o Belmiro de Azevedo e tantos outros que só pagam o ordenado mínimo nacional se, de todo, o não podem evitar, a pagarem "reconhecidamente" o justo valor do trabalho.
Vai desculpar-me a crueza, mas, com todo o respeito, hoje não fez de "chato"... fez foi mesmo de estúpido.
A luta dos trabalhadores está organizada nos seus sindicatos. E nunca soube que alguém recusasse qualquer benefício resultante dessa luta.
Quanto ao PCP poderá haver quem duvide da sua luta pelos direitos humanos desde há 90 anos?
A História não se inventa e está aí para o confirmar. Não a deturpem!
Um beijo.
Camarada Samuel, não fosse o caso de te conhecer apenas dos discos e da TV e ia ter contigo para te dar um apertado e caloroso abraço !
Disseste tudo, caro amigo, tudinho !
Eduardo:
É como se tivesses vindo! :-)))
Abraço.
Expiação do pecado ao jovem casalinho:LER todas as noites,até que a morte, ou o enjoo, os separe;"A INDIFERENÇA" de Brecht.
(...)Primeiro levaram os comunistas/e eu não me importei(...)Agora levaram-me a mim/E quando percebi/já era tarde!
Abraço
Amigo: É dos teus textos mais acutilantes e lúcidos.
Há muito que não pactuo com o argumento dos "coitados eles são manipulados, e que não sei quê têm medo dos comunas e é preciso conquistá-los, informá-los, etc..."
Estou, aliás, farto de ver o oportunismo ser tão tolerado por quem o deve combater, não temendo afrontar. Não são apenas os Governos, os Políticos Alternadeiros, os culpados da nossa triste situação, mas uma grande parte do próprio Povo,que alimenta um espírito de feroz individualismo, sonhando ser rico e por isso odeia o igualitarismo. Esse é o Povo que vota nos políticos de pacotilha, capatazes do Capital. Há ainda uma multidão de zombies, que se abstém, que se está nas tintas para o que possa suceder, que permite que as escolhas sejam feitas por outros...
Nesta sociedade miseravelmente burguesa, andam (quase) todos à babugem, por isso dizer que somos comunistas tem o seu quê de complexidade, pois tudo em redor empurra para o comodismo, o consumismo, o amorfismo...
Abraço e desculpa a franqueza, mas estou muito farto do que vejo à minha volta e que de várias formas tentei ajudar a mudar!
Todos aqueles que andam nestas andanças sabem quanto verdadeiro é o texto e a situação descrita.
Já há muitos anos que nos habituamos a isto, lembro-me por exemplo que os comerciantes da Rua Santa Catarina – no Porto – insultavam os que por ali passavam a protestar contra o aumento do custo de vida! Depois haviam também alguns autobilistas a buzinar pela paragem devido à manifestação...
Os anos passaram e os mesmos que lutavam pelos seus/nossos direitos passaram a ser os grandes defensores do "pequeno comércio" ou seja daqueles que nos insultavam e que agora se vêm enrascados pela pressão exercida pelas grandes superfícies.
Recentemente ao fazer a compra de uma lata de tinta, pedi factura em nome da entidade para quem se destinava, de imediato disse a empregada da caixa: "olhe! Quando é que vocês conseguem que isto feche aos domingos?"...
Provavelmente esta jovem também fez o mesmo nas últimas eleições, ou não votou, ou esteve de férias!
Muito bom!!!!
Carago.......
Abreijos.
Na mouche...
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