domingo, 25 de janeiro de 2009

Intervalo




Neste Domingo, não havendo nada de realmente novo para comentar, não vale a pena repisar as estórias de mais de trinta anos de políticas feitas "à medida", recheadas de Decretos-Lei e pareceres que possibilitaram grandes negócios, negócios que criaram grandes lugares, lugares que aos longo dos anos têm vindo a ser ocupados pelos políticos que imaginaram esses mesmos Decretos-Lei.
Não vale a pena repisar as estórias dos dirigentes e seus amigos, que vêem na Coisa Pública, não um serviço aos cidadãos, mas sim uma espécie de Plano de Poupança Reforma pessoal.

Não vale a pena falar da saúde, da educação, do emprego precário, do desemprego, da falta de confiança, dos corredores de promiscuidade entre gabinetes governamentais e grandes grupos económicos, da memória “selectiva” do Primeiro Ministro, da arrogância, da miséria, de Gaza, do Obama, do mundo.

Hoje, e pelo menos até que o dia avance um pouco mais, fico com a inquietante sensação de que existem pessoas, demasiadas pessoas, para quem nada disto conta verdadeiramente. Eu explico. Nas cinco ou seis idas ao café aqui da esquina, neste Sábado que agora mesmo acabou, acho que fiz o pleno. Em todas as vezes havia, como há sempre, conversas de fundo, mas desta vez, sem uma única excepção, discutia-se o empate do Benfica, o não sei o quê do Porto, aquele tipo do Sporting, o Mundial de Futebol para Portugal e Espanha, que é muito bom para Portugal (suponho que também para a Espanha) para dar “lá fora” uma imagem de não sei bem o quê... e mais nada. Desta vez, nem cusquices, nem novelas... nada. Só bola!
Dei então por mim a lembrar-me desta pequena (e ternurenta) estória doméstica, que essa sim, quero partilhar convosco.

   ***

Como era costume todas as noites, lá estava ele na sala, sentado na sua cadeira privativa, com uma garrafa de cerveja ao lado e o aparelho de televisão à frente, aparelho esse, que desde o advento da Sport TV1, Sport TV2, RTP Memória e mais um ou outro canal, conseguia o prodígio de ter sempre, a qualquer hora do dia ou da noite, um jogo de futebol para transmitir.

No intervalo do jogo, o anúncio de um futuro documentário sobre a eutanásia, feito com recurso a algumas imagens e informações chocantes. Gritou para a cozinha:

- Querida...

- ...

- Se algum dia eu ficar assim, feito um vegetal, não quero que me deixem nesta situação... cheio de líquidos esquisitos e totalmente dependente de uma máquina!

- ...

- ESTÁS A OUVIR?

Ela entrou serenamente na sala, tirou-lhe a garrafa de cerveja e desligou-lhe a televisão.

   ***

Bom Domingo!

20 comentários:

Maria disse...

Excelente!
E completammente inesperado...
:)))

Bom Domingo!

Abreijos

Anónimo disse...

E o homem foi-se ou ligou o rádio?

Bom Domingo!

linhadovouga disse...

Tens um talento especial para nos fazer sorrir perante elementos que normalmente nos deixariam deprimidos... Boa!

BlueVelvet disse...

Grande mulher:)
Abreijinhos

Cris disse...

Tenha um ótimo domingo!
Gostei dessa.

Cris disse...

Tenha um ótimo domingo!
Gostei dessa.

Anónimo disse...

O seu texto fez mudar minha opinião. Agora sou contra a eutanásia! Quero que me mantenham vivo, principalmente aos domingos, com o aparelho ligado (preferencialmente rádio)com um duto plástico transportando cerveja direto à corrente sanguinea. Bom domingo! Up

Anónimo disse...

por acaso já conhecia mas é sempre bom espalhá-la aos 4 ventos. Continua nesta luta com bom humor para que possamos enfrentar tantas adversidades.

Anónimo disse...

De todas as tarefas, a mais difícil é desintóxicação, e digo isto porque,até eu que me considero auto disciplinado, mas quando acompanhado em grupo, sinto-me por vezes a resvalar para a entóxicação, sem no entanto me deixar entóxicar.
O liberalismo é a íroina do povo!?
Abraço bfs

Fernando Samuel disse...

E ele? e ele?...



Um abraço.

Ana Camarra disse...

Samuel

Já conhecia!
Mas é sempre engraçado.
Sabes cresci numa familia que nã ligava nada ao Futebol, decidi partilhar a vida com um homem que também não passa cartuxo á coisa.
Olho sempre para esse fenomeno como um estudo sociologico....

Beijos

João Soares disse...

Esses homens que tu falas encontro-os a monte, é verdade. É difícil espetar-lhes os perigos de governos-sombra como Bilderberg, falar-lhes de Paulo Freire, debater com eles Ordenamento de Território, a Não-Violência, etc etc
Fica aqui um texto-aviso da minha última postagem: Dossiê Bilderberg. Aos interessados leiam o resto no BioTerra.
Abraço grande, Samuel

anamar disse...

Boa conclusão para um domingo tranquilo.... porque o enjoo nacional, quiçá, ainda nos pode levar a parar na RPP Memória...
Abracinho

Anónimo disse...

Obrigado por este momento lúcido, inteligente e até bem humorado!

Nuno

anamar disse...

RTP...
haverá remédio para os olhos , sem ser os óculos, para quem os gasta pelo Windows ????

Mar Arável disse...

É preciso lutar contra a anestesia

muito em particular num tempo

de muitas urnas

Pata Negra disse...

Sou tão, tão, tão avesso ao futebol dos futres, figos e ronaldos que até assumo ser contra o desporto. A televisão só a ligo quando falta a luz em casa, a luz do écran sempre dá para ir vendo onde ponho os pés.
Um abraço dum país com uitas bolas e com poucos tomates

jrd disse...

O Tuga é assim, mas, cá para nós, acho que ela devia ter-lhe tirado a Televisão e desligado a cerveja. Talvez ele percebesse...

samuel disse...

Maria:
A estória já tem barbas... mas foi a maneira de "tentar falar sem dizer nada". Lembra-te da cantiga do Grupo Outúbro?

Salvoconduto:
Acho que ficou "noutro" estado de coma...

Linhadovouga:
Que remédio!... Obrigado.

BlueVelvet:
Cada vez há mais!

Cris:
Também para aí, tão longe...

Caim:
Nos casos em que o cérebro se mantém em perfeito estado de funcionamento (como é o caso), não há contra indicações para um bom jogo de futebol e uma cervejinha gelada. Bom proveito!

Antuã:
Por vezes faz bem...

Poesianopopular:
Não sei... mas a ruína, estou certo de que é!

samuel disse...

Fernando Samuel:
Coitado... ficou-se...

Ana Camarra:
Como campo para estudo é bastante fértil.

João Soares:
É verdade, mas não será por isso que desistiremos de lhes falar nas coisas que importam.

Anamar:
Sabe-se lá... um Domingo pode ser cheio de surpresas.

Mar Arável:
Contando também com a luz da poesia, não é?

Pata Negra:
A televisão como lanterna, quando falta a luz... nunca me tinha ocorrido :-)

Jrd:
Sim... podia ser uma ultima tentativa de terapia...


Abreijos colectivos
(para os anteriores também).