Com José Afonso, aeroporto de Lisboa, em 28 de Abril de 74.
Fotografia surripiada do livro "Ary dos Santos", fotobiografia da autoria de Alberto Bemfeita, editorial Caminho
Auto-Retrato
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
expressão da multidão que está comigo.
Cantiga de Amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
expressão da multidão que está comigo.
Cantiga de Amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
(excerto do poema “as portas que Abril abriu”)
18 comentários:
«Porém morrendo aos poucos de ternura»?
«Expressão da multidão que está comigo»?
«O meu amigo está longe
e a saudade é bastante»?
Espera um pouco, Samuel: eu vou ali dar um abraço ao Zé Carlos e já volto.
Já hoje cantei e chorei o Zé Carlos...
E acabadinha de chegar a casa dás-me logo esta poesia toda...
Acho que vou com o Fernandoo Samuel e depois volto...
Um beijo
Grande Ary. Vou convosco.
Um abraço
também lá estarei... com o coração e um imenso abraço!
témi
Estou convosco. Também lá estou.
Um Abraço
Já o encontei em O Cheiro da Ilha...
Inesquecível!
Abraço
Um poeta, um homem, um amigo.
Recordá-lo é recordar uma parte da minha vida.
A melhor.
"De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse".
Pois...
Abreijinhos
Um poeta fenomenal!
Se houvesse prémio nobel da poesia ele teria ganho!
Beijokas
Um poeta que, como o seu próprio grito diz, não se deixou castrar.
Alenta e enternece.
Obrigada, Ary. E obrigada, Samuel, por o ter posto presente.
Esperem, que eu vou com vocês.
O Zeca será sempre o Zeca e o Zé Carlos será sempre o Zé Carlos, por mais Peixotos que escrevam em "visões" toldadas pela cretinice.
Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.
Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.
Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.
Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.
José Carlos Ary dos Santos
ATÉ AMANHÃ CAMARADA
Lindo poema.
Tenho estado no Canhotices a ouvir-te cantar Ary.
Já a ouvi 1x, 2x, muitas vezes.
Ary o poema da Revolução, continua ao nosso lado!
GR
O Ary estaré SEMPRE ao nosso lado! (não consigo abrir o mail...só para a semana! depois vejo)...um abraço amigo e beijocas á vóvó...
abreijos...
Tão cheio de trabalho ando que nem tenho aparecido por cá. E que cantigas tenho perdido!
Ary foi sem dúvida um dos mais espantosos poetas que Portugal teve. Pena que para muitos continue a ser apenas aquele autor de letras para canções. Mas se se ficassem pelas canções que compôs, se ao menos as lessem ou ouvissem com atenção, já seria uma grande, uma enorme lição de cultura.
A recordação viva, sempre!
Uma buraco na nossa cultura, a falta do Zé Carlos.
Os meus silêncios para o grande Ary!!
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