domingo, 18 de janeiro de 2009

Ary - 25 anos



Com José Afonso, aeroporto de Lisboa, em 28 de Abril de 74. 
Fotografia surripiada do livro "Ary dos Santos", fotobiografia da autoria de Alberto Bemfeita, editorial Caminho


Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta 

fulgurante de mais para alguns olhos 

bom artesão na arte da proveta 

narciso de lombardas e repolhos. 



Cozido à portuguesa mais as carnes 

suculentas da auto-importância 

com toicinho e talento ambas partes 

do meu caldo entornado na infância. 



Nos olhos uma folha de hortelã 

que é verde como a esperança que amanhã 

amanheça de vez a desventura. 



Poeta de combate disparate 

palavrão de machão no escaparate 

porém morrendo aos poucos de ternura.


Epígrafe

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
expressão da multidão que está comigo.


Cantiga de Amigo

Nem um poema nem um verso nem um canto 

tudo raso de ausência tudo liso de espanto 

e nem Camões Virgílio Shelley Dante 

o meu amigo está longe 

e a distância é bastante.

Nem um som nem um grito nem um ai 

tudo calado todos sem mãe nem pai 

Ah não Camões Virgílio Shelley Dante! 


o meu amigo está longe 

e a tristeza é bastante. 



Nada a não ser este silêncio tenso 

que faz do amor sozinho o amor imenso. 

Calai Camões Virgílio Shelley Dante: 

o meu amigo está longe 

e a saudade é bastante!



De tudo o que Abril abriu 

ainda pouco se disse 

e só nos faltava agora 

que este Abril não se cumprisse.

(excerto do poema “as portas que Abril abriu”)

18 comentários:

Fernando Samuel disse...

«Porém morrendo aos poucos de ternura»?
«Expressão da multidão que está comigo»?
«O meu amigo está longe
e a saudade é bastante»?


Espera um pouco, Samuel: eu vou ali dar um abraço ao Zé Carlos e já volto.

Maria disse...

Já hoje cantei e chorei o Zé Carlos...
E acabadinha de chegar a casa dás-me logo esta poesia toda...

Acho que vou com o Fernandoo Samuel e depois volto...

Um beijo

alex campos disse...

Grande Ary. Vou convosco.

Um abraço

vovó disse...

também lá estarei... com o coração e um imenso abraço!
témi

Hilário disse...

Estou convosco. Também lá estou.

Um Abraço

Rosa dos Ventos disse...

Já o encontei em O Cheiro da Ilha...
Inesquecível!

Abraço

BlueVelvet disse...

Um poeta, um homem, um amigo.
Recordá-lo é recordar uma parte da minha vida.
A melhor.
"De tudo o que Abril abriu 

ainda pouco se disse 

e só nos faltava agora 

que este Abril não se cumprisse".
Pois...
Abreijinhos

Mariazinha disse...

Um poeta fenomenal!

Se houvesse prémio nobel da poesia ele teria ganho!

Beijokas

Anónimo disse...

Um poeta que, como o seu próprio grito diz, não se deixou castrar.
Alenta e enternece.
Obrigada, Ary. E obrigada, Samuel, por o ter posto presente.
Esperem, que eu vou com vocês.

lino disse...

O Zeca será sempre o Zeca e o Zé Carlos será sempre o Zé Carlos, por mais Peixotos que escrevam em "visões" toldadas pela cretinice.

Anónimo disse...

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.


José Carlos Ary dos Santos

Mar Arável disse...

ATÉ AMANHÃ CAMARADA

GR disse...

Lindo poema.
Tenho estado no Canhotices a ouvir-te cantar Ary.
Já a ouvi 1x, 2x, muitas vezes.

Ary o poema da Revolução, continua ao nosso lado!

GR

amigona avó e a neta princesa disse...

O Ary estaré SEMPRE ao nosso lado! (não consigo abrir o mail...só para a semana! depois vejo)...um abraço amigo e beijocas á vóvó...
abreijos...

Anónimo disse...

Tão cheio de trabalho ando que nem tenho aparecido por cá. E que cantigas tenho perdido!
Ary foi sem dúvida um dos mais espantosos poetas que Portugal teve. Pena que para muitos continue a ser apenas aquele autor de letras para canções. Mas se se ficassem pelas canções que compôs, se ao menos as lessem ou ouvissem com atenção, já seria uma grande, uma enorme lição de cultura.

Justine disse...

A recordação viva, sempre!

Ana Camarra disse...

Uma buraco na nossa cultura, a falta do Zé Carlos.

Camolas disse...

Os meus silêncios para o grande Ary!!