"As respigadeiras" - Jean-Francois Millet
O meu querido (e irrequieto) amigo “de infância” Sérgio Ribeiro, de vez em quando lá arranja tempo para ir a casa, à qual consegue chegar esquivando-se prodigiosamente das santas energias emanadas do santuário da sua mediática vizinha de Fátima, a célebre judia com nome de moura. Sempre que o consegue, actualiza o “Anónimo do Séc. XXI”, entre outros blogues que descobrirão se lá derem um salto. Neste texto, aborda de raspão, prometendo voltar ao assunto, o fenómeno que já começa a ter expressão entre nós, do retorno aos campos.
Desde há muito tempo que venho dizendo, talvez levando demasiado a sério o meu nome de profeta, que um dia as pessoas entenderão que não é possível comer índices de bolsa, estatísticas, produtos financeiros, roupa de marca, iPods, telemóveis topo de gama, GPÉsses, promessas do Sócrates e outros produtos igualmente tóxicos. Nessa altura começaremos a considerar seriamente a possibilidade de levar uma vida mais simples, mais limpa, mais verdadeira, mais solidária, mais harmoniosa. Uma das várias maneira de o fazer, para quem tiver essa sorte, é o regresso aos campos, à comunhão com os outros e com a Terra.
Nessa altura e mais uma vez, toda a arte, os livros, a palavra dita e as (verdadeiras) canções, vão ser extremamente importantes.
Para “banda sonora” de toda esta conversa, escolho esta grande cantiga com letra do Chico Buarque e música do Milton Nascimento. Para fugir às versões mais batidas, naveguei até esta, cantada de maneira doce por uma cantora australiana, Diana Clark, acompanhada por um enorme coro australiano, The Melbourne Millennium Chorus, numa belíssima interpretação bilingue.
Obrigado pela paciência (se chegaram até aqui), especialmente ao Sérgio, pela “inspiração”.
O cio da terra
(Chico Buarque /Milton Nascimento)
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão
“O cio da terra” – Diana Clark
(Chico Buarque/Milton Nascimento)
20 comentários:
Três Bs. Belo texto, belo poema e bela voz.
Abraço.
Não foi por acaso que a Senhora aterrou em Fátima (se não me engano Fátima era muçulmana e não judia),aquilo é terra com cio aberto entre as pedras. Enquanto ouço esta bonita canção não me ocorre outro desejo senão o de ir lá para fora... Já é tarde, os cães não me o permitiriam!... Amanhã talvez eu me liberte totalmente da cidade! Não farei muros á volta do meu quintal, quero que todos os campos sejam meus!
Um abraço latifundiário
Salvoconduto:
Obrigado! Também por eles...
Abraço
É pá, aqui do Zambujal (este, de que Fátima fica perto), o teu irrequieto amigo (de "infância"?) e irrequieto - hoje, sossegadinho que dá gosto... depois de uma ida à "sôra Câmbra", de uma reunião no JO e de uma passagem pelo Centro de Trabalho por causa do jantar do 25 de Abril... - manda-te um grande e (quase) comovido abraço.
Não me tinha esquecido dos músicos e dos poetas, embora só tivesse falado dos sociólogos, antropólogos, economistas... dessa gente, mas tu amandas-me com o Chico e o Milton (e a voz desta moçoila) que me deixas de cara à banda.
Obrigado, amigo,
grande abraço
Sérgio
Não conhecia esta versão. Linda!
Quanto ao teu nome, as origens não sei, que é bonito e original ninguém o pode negar.
De grande reflexão, este texto.
Bjs,
GR
Pata Negra:
A "Senhora de Fátima", segundo a lenda católica, é suposto ser Maria.
Essa Maria era judia. A outra que deu o nome ao lugar era Fátima a moura. Daí, a "judia com nome de moura".
Quanto ao resto, estou contigo... um dia, sem muros nem cercas de arame farpado ou electrificado. todos os campos serão teus, meus, daquela, daquele ali, do outro mais além...
Até lá, grande abraço!
Não conhecia esta versão do "cio da terra". A cantiga veio-me logo à cabeça quando li o título do post...
E ainda por cima fazes um post ternurento, comoves aqui a je e tal, que tinha lido o anónimo e... que coisa, esta das cantigas...
Abreijos
do Zambujal:
Para além de tudo e das nossas (quase) comoções, a verdade é que, citando a Maria do "Cheiro da Ilha", grande especialista nestes assuntos, a voz da moçoila acompanhar-se-ia muito bem (aí ou aqui) com um pão de trigo a sério, um queijito e um tinto daquelas em que "Cada bago de uva sabe de cor o nome dos dias todos do verão."
Abraço
GR:
É bonita não é?
Quanto ao nome... também não desgosto. :-)
Abreijo.
Samuel,
à terra ou ao mar, fecundo será o regresso.
A revolução é hoje!
Maria:
Decididamente, não acerto com a entrada dos comentários. :-)))
A canção é magnífica, a versão é muito doce... e o post, apontado para onde foi, tinha que ser ternurento. Neste tempo em que mais uma vez, "A noite corre por todo o corpo e os amigos são mais que irmãos", a ternura é um bem ainda mais precioso.
Abreijos.
CRN:
E desta vez seria bom que se fizesse tudo bem melhor... no mar, na terra, na revolução!
Abraço
Só me posso render a tudo do que li, ouvi e dos vossos mimos...
abracinho
inconcluido.... e, dos vossos mimos... nem falo, suspiro!
abracinho
pois...excelente influência e magnífica exposição! ;) os meus ouvidos agradecem!
O regresso aos campos pode ser bem explicado. Adianto, desde já juma breve explicação, assim pela rama: necessidade de uma economia paralela, que nunca foi abandonada neste país, mas agora torna-se urgente face à nova pobreza! E ia por aqui fora...! Vou ouvir Dianna Clark:)
Beijos
Ele há cada uma! Então ontem não andei eu feita tola à procura do título e do autor do quadro célebre que eu teimava em chamar "As ceifeiras", e de que só me lembrava da imagem, e tu hoje ofereces-mo de bandeja!! Se isto não é telepatia, então é...acaso:))
Do resto nem falo, para não começar a lacrimejar, mas tendo a certeza de que nós somos uns priveligiados porque moramos aqui, porque temos ouvidos para ouvir canções como esta, porque temos amigos de infância!
Beijo
A cidade não é habitat para o homem.É asséptica e cheira mal, egoísta e acelerada.Solitária.
Nunca digo "desta água não beberei", mas farei tudo para fugir à grande floresta de betão.
" O Alentejo é a última utupia..."
Nem de propósito: também eu me lembrei, hoje, da Terra.
Toma lá estes primeiros quatro versos da Terra do Zé Carlos:
É da terra sangrenta. Terra braço
terra encharcada em raiva e em suor
que o homem pouco a pouco passo a passo
tira a matéria-prima do amor.
Um abraço.
Uma canção muito bem concebida, de autores com muito prestígio, uma voz de eleição com coros magníficos(arte e técnica),excelente suporte para um poema-mensagem extraordinário.
Boa escolha Samuel!
JF
Enviar um comentário