sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Inimigos reais



Perseguido pelo facto de ter dito que um dos erros do seu primeiro governo foi não ter apostado o suficiente na Cultura, Sócrates deve ter dado indicações para que o orçamento do respectivo ministério fosse aumentado. Fê-lo à sua imagem. O aumento foi uma ninharia irrelevante. Embora já se vejam aqui e ali focos de descontentamento quanto a critérios de distribuição de apoios, espero que a ministra Gabriela Canavilhas saiba fazer as pontes que permitam minimizar esses descontentamentos e realizar alguma coisa com o orçamento indigente que mais uma vez é reservado à Cultura.

De qualquer modo, talvez por ser uma aversão antiga, o que me ofende é o facto de o Ministério da Defesa ter um orçamento de dois mil quatrocentos e quarenta milhões de euros, bem mais, por exemplo, do que o reservado para a agricultura e pescas. Como é que se convence esta gente de que uma das coisas que ameaçam realmente o nosso país e o nosso povo é a dependência do estrangeiro, sendo que uma das piores dessas dependências é exactamente a alimentar? Como fazê-los ver que é obsceno ajudar a enriquecer importadores, intermediários e grandes retalhistas, que enchem as nossas despensas com produtos que em boa parte podiam e deviam estar a ser produzidos nos vastos milhares de hectares de campos abandonados, ou pescados pelas frotas que, criminosamente, fizeram abater? Como fazê-los ver os milhres de postos de trabalho que essa produção e transformação de produtos implicaria e como seria assim revertida muita da desertificação do interior, diminuindo a sobrelotação e falta de qualidade de vida do litoral?

Quanto aos restantes orçamentos dos vários ministérios, individualmente, não faltará quem acertadamente os analise um por um... mas se descermos pela lista, até ao último, lá está o Ministério da Cultura, a olhar para os 2.440 milhões da Defesa... e agarrando-se como pode aos seus miseráveis 236 milhões, envergonhado. Envergonhado o Ministério e humilhada a Cultura!

Como convencer esta gente de que os nossos reais inimigos são exactamente a falta de cultura, a falta de apego e de apoio à nossa música, desde a tradicional à erudita, passando pela “canción inteligente”, como gostam de lhe chamar os artistas cubanos? Como mostrar a estes político que aquilo que nos pode fazer desaparecer enquanto povo, com uma identidade original, é a falta de amor e conhecimento da nossa língua e História e Património, por muito que o Ministério e a Ministra lhes confiram o estatuto de prioridades ? Como obrigar estes governantes a ver que, exceptuando um ou outro desportista e, felizmente, um ou outro cientista, são os nossos cantores, os nossos músicos, as nossas artes plásticas, o nosso cinema, etc., etc., que projectam no mundo uma imagem inteligente e interessante de Portugal?

Como obrigar esta gente a reparar que a Cultura não pode sobreviver durante um ano com o dinheiro que os outros ministérios estoiram numas semanas apenas, em mais uma das suas recorrentes, inúteis, faustosas e injustificadas trocas de frota de automóveis topo de gama, ostentação que deveria ser a vergonha e não o orgulho de verdadeiros servidores públicos?

Como convencer toda a gente de que estes inimigos não se combatem a tiros de canhão nem com submarinos manhosos, nem vozes de comando, nem galões?

15 comentários:

Antuã disse...

Cultura não. um povo culto é difícil dominar. Achas que eles querem gente culta? Futebol é que é preciso para que o povo pense com os pés.

Maria disse...

Excelente post, Samuel!
E já sabes que a Cultura é muito prejudicial... ao poder. É que um povo culto já os tinha apeado definitivamente...

Abreijos

Almeida disse...

Ai se houvesse cultura já não havia socretinos e quejandos no poder!

sts disse...

Excelente. V. está um blogger de truz. São os textos e as fotografias que os acompanham. Parabéns. Ah, e a música. Já não vinha cá há uns tempos, mas o seu registo está cada vez mais aprimorado.

Saludo.

salvoconduto disse...

Haverá por certo quem se apresse a responder-te que não enche barriga... Só não sei é como eles enchem a pança com submarinos!

Abraço.

Anónimo disse...

inimigos de alguns, amigos de outros... cultura? pra ké?. a submissão é mais certeira deste modo, e quando realmente já não houver quem pense (para avisar a malta), mas sim quem pense sómente como acabar o mês(ou inicia-lo!!), aí sim ,teremos cultura a rodos para elites sapientes.
só já falta queimar livros!!!
abraço do vale

Graciete Rietsch disse...

Muito, muito bem, camarada Samuel.
Um grande abraço.

amigona avó e a neta princesa disse...

Tal e qual Samuel...e é como se diz um povo culto sabe pensar, logo - está tudo dito, não?

Abreijos e bom fim-de-semana...

Fernando Samuel disse...

Mais um excelente texto.

Sobre o assunto já o «outro» dizia: «Quando ouço falar em cultura, puxo logo da pistola»...

Um abraço.

Alvarez disse...

Pois é amigo!...

A "Inquisição" está aí com "nova roupagem"...

Um abraço,

Alvarez

isabel disse...

é isso mesmo, assim se domina um povo. parabéns, Samuel,melhor seria impossível.

Pisca disse...

Não há cultura ?? Andam muito enganados

E os subsidios dados a uns "especialistas" de coisas que nunca ninguém vê, ouve ou sente ??

Olhem que andam por aí um verdadeiros profissionais

samuel disse...

Antuã:
Esse é o grande trunfo que o poder joga há décadas... séculos!

Maria:
Um perigo aterrador!

Almeida:
Haveria menos...

AG:
Obrigado! ☺

Salvoconduto:
Alguns enchem...

Duarte:
Não deixaremos chegar lá...

Graciete rietsch:
☺ ☺ ☺

Amigona:
Exactamente!

Fernando Samuel:
Se virmos bem... no fundo tinha razão. Era o instinto de autopreservação...

Alvarez:
Agora andam com roupas de marca...

Isabel:
Vem de longe...

Pisca:
Sim... algum dinheiro a que nunca se vê o rasto...


Saludos de lés a lés!

Cloreto de Sódio disse...

E Portugal podia passar sem submarinos? Poder... podia, mas são era a mesma coisa. Abraço.

samuel disse...

Zero à Esquerda:
Completamente diferente! ☺ ☺ ☺ ☺


Abraço.