segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Salazar – O “despreocupado”


(Reprodução de uma página do Livro de Leitura da Primeira Classe (ainda do meu tempo de escola), onde se pode apreciar a elegância e delicada subtileza com que o tema "salazar" era introduzido nas lições)


É com este título pleno de fantasia e criatividade que o Público apresenta uma entrevista com o historiador Filipe Ribeiro de Meneses, autor do livro “Salazar - A Political Biography”.

Não querendo desfazer na trabalheira que o homem teve, durante anos, para revolver a verdadeira montureira que é a história do fascismo português, com o fim de escrever esta biografia, quero apenas deixar umas notas enquanto espectador e leitor, leigo nas artes da historiografia.

Dizer numa intervenção na televisão (como eu vi) que Salazar não tinha um poder real, sendo constantemente obrigado a negociar com as várias forças e sensibilidades dentro do regime, para logo a seguir, quase na mesma frase, afirmar que uma das especialidades do ditador era, a meio do “jogo”, mudar as regras que ele próprio tinha ditado... é, no mínimo, extraordinário. Para alguém, a meio do jogo, mudar as regras por si próprio ditadas, e conseguir levar a sua avante, é preciso ter muito poder!

Para quem passou tantos anos a estudar Salazar, a sua vida, obra, textos, etc., foi uma pena que Filipe Ribeiro de Meneses não tivesse arranjado umas horas para passar os olhos pelos livros de leitura da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classes da antiga instrução primária, por umas fotografias das próprias salas de aula, outras, de desfiles da “mocidade portuguesa”, mais uma vista de olhos pelas suas publicações de apoio. Só isso bastaria para evitar esta triste baboseira de achar que “Salazar nunca se preocupou com a doutrinação ideológica”.

Sei que os historiadores “à séria”, tanto os especialistas em reescrever e branquear o nosso passado fascista, como os outros, a meia dúzia de “chatos” que não vão nessa conversa, irão encarregar-se de analisar e criticar o livro.

Sei que os verdadeiros e potenciais “historiadores”, os que viveram na pele a História que aqui se pretende contar, mais uma vez ficarão à espera de uma verdadeira História do Fascismo em Portugal.

Sei ainda, que não é preciso ter conhecido Afonso Henriques (nem Don Juan) para poder falar de conquistas, nem ter viajado com Álvares Cabral para conhecer música brasileira; mas quando estes “jovens historiadores” se saem com estas “descobertas”, fico sempre com a convicção de que ter vivido (pelo menos alguma coisa) ajuda imenso.

13 comentários:

Luis Nogueira disse...

Mas donde é que vêm estes aldrúbias? Quando é que eles acordaram? Então eu, que fui desde o primeiro dia de aulas (1945, Outubro) obrigado a fazer a saudação fascista... Tínhamos que pôr a pata no ar a quem quer que entrasse na sala de aulas. Os sábados eram consagrados a marchar para trás e para a frente no pátio da escola. Eu safava-me a pretexto que em minha casa não havia tempo para comprar uma farda. O meu pai foi expulso da Função Pública (era na altura pos se recusar a pertencer à Legião e à União Nacional. O gajo não se lembra do "S" no cinto dos ganapos da Mocidade? Não sabia que prendiam pessoal só por gritar "Viva a República". Será que não viu sequer os documentários e os filmes de porpaganda ("A REvolução de Maio" e outras merdas...)?
Só faltava que esta besta tivesse recebido um subsídio para escrever a "obra". Da CIA e de outras instituições afins. Há que denunciar sem descanso estes gajos.

Luis Nogueira

Antuã disse...

é mais um estoriador das novas oportunidades.

Fernando Samuel disse...

A operação de branqueamento do fascismo segue de vento em pôpa: não falta muito para que os «historiadores» apresentem o 25 de Abril como um atentado à democracia...

Um abraço.

Daniel disse...

Pois é, um saber de experiência feito vale muito, como dizia o tal que, com um só olho, via mais que a maior parte dos portugueses do seu e de todos os tempos.
Se o rapaz tivesse vivido na Santa Maria de meados do século, uma ilha "livre", até veria uma MP sem saudações facistas e nunca ouviria, nas suas actividades, falar de Salazar. Nem sequer nos respondiam nuncam os nossos instrutores, quando perguntávamos se o "S" queria dizer Salazar. No máximo diziam que não sabiam.
Meu pai foi obrigado a pertencer à LP, mas um dia, cansado daquilo, entregou o material todo, e ninguém o chateou.
Quanto ao resto, o Salazar estava lá, claro. Na miséria quase absoluta com que a ilha chegou à década de quarenta. Na pobreza de muitos que não arranjaram um trabalho no Aeroporto. Na ignorância dos que aos sete ou oito anos já tinham de trabalhar e nunca foram à escola.
Mas para quê evocar isto?... A realidade do Salazar obscuro é tão evidente como o facto de estar escuro a esta hora por o Sol se haver posto já.

svasconcelos disse...

Parece prática corrente negar-se as atrocidades que minaram milhares de pessoas. Nega-se o holocausto, refutam-se as ditaduras... e a "moda" já se instalou entre nós. Estes trabalhos, que muitas vezes não passam de meras nulidades académicas,provocações com sede de protagonismo, sem o devido aprofundamento e respeito pela História, e sobretudo por quem a vivenciou!, acabam por cair no esquecimento tal é o vazio de conteúdo verosímil.
Mas esta gente devia ser responsabilizada!
bjs,

Miguel Jeri disse...

Eheh já tinha visto a questão abordada no blog de Vítor Dias.

Na minha opinião, bastava a primeira imagem para dizer tudo. Formidável escolha!

Clube Europeu ESJAL disse...

Só passei para mostrar a minha satisfação por ver esta página do livro de leitura!!!! Que maravilha!
Tirando lá isso do Salazar que também não praticamos...

Curioso do Mundo disse...

Para começar a conhecer história do século XX poortugûes ler os tomos I e II das obras escolhidas de Álvaro Cunhal!

Abraço

Carlos Machado Acabado disse...

Se me permitem que apresente um ponto de vista pessoal, a minha tese é que o poder dos líderes fascistas é muito menos o seu próprio poder pessoal do que o do grande capital financeiro que os patrocina.
NESSE preciso sentido, de facto, o poder de Hitler, Mussolini ou Salazar é um poder "relativo" porque, em última (mas real!) análise, ele não é concebível fora do estr(e)ito quadro definido pelos interesses daquele grande (no caso português comparativamente reduzido) capital que levou os fascismos ao poder, nas décadas de '20 e '30, do século passado.
Isso a que eu me permito (por analogia com aquilo que Ludendorf chamou "a guerra total", "der totale Krieg") o capitalismo "total" (que leva o paradigma de organização fabril, ponto-por-ponto, à política) não concebe, como é evidente e POR DEFINIÇÃO, um poder fora do poder do grande Capital, de que o "Führer", o "Capo" ou o "Chefe" são a expressão operativa, falsa (porque apenas funcional ou instrumentalmente) "política".
NESSE sentido, repito, o poder de Salazar era aquilo a que eu chamo um poder "relatival", isto é, era-lhe, se assim quisermos dizer, "outorgado" (ou sejam, tinha de passar pelo reconhecimento objectivo) do capital para passar a existir realmente na História, digamos assim.
Não por acaso, Wiesenthal, numa obra célebre, revela como o grande capital financeiro alemão, pouco antes do fim da guerra, vai-se organizando em torno de um projecto de que Hitler já deixou de fazer parte e que passa pela abertura de empresas (de empresas falsamente nacionais) no estrangeiro para onde eram canalizados os fluxos de capital que a previsível 'debâcle' do nazismo institucional já não garantia pudessem "prosperar" e multiplicar-se... 'naturalmente'.
Wiesenthal chega mesmo a quantificar e identificar as que, em Portugal, se prestaram ao papel e abrigaram os fluxos de capitais germânicos, cada vez menos... "totais" e, proporcionalmente, cada vez mais... mais "democráticos" ou, no mínimo, progressivamente sensíveis aos "valores da democracia"...
Claro que isto nada tem a ver com a sugestão sequer dessa ficção de um Salazar obrigado a "negociar" com as forças políticas como qualquer líder de um regime não-autocrático e não-autoritário.
Que ele as soubesse (de forma caracteristicamente astuta, aliás) "acomodar" entre si, gerindo, no imediato e no concreto, as exigências e as 'sensibilidades' de cada uma acredito---mas essa é, com todo o respeito, uma questão em si mesma muuuuito distinta.
Também quanto à não-doutrinação dentro da arquitectura institucional global do 'regime' me parece haver, de facto, no posicionamenmto do investigador, tal como aqui é referido, uma enorme mistificação: TUDO, no 'regime' era propaganda, dos filmes ("A Revolução de Maio" é um exemplo mas basta recordar aquele "gag" do "em Estado Novo" na "Canção de LIsboa") aos livros escolares.
Se eu próprio não tivesse sido, primeiro, claro, aluno (aluno de liceu) e, posteriormente, professor do ensino público durante o 'regime', bastaria recordar aqui Maria de Fátima Bivar que tem um (aliás, excelente, muito documentado) trabalho de investigação sobre este ponto da propaganda política no livro escolar durante o salazarismo, editado pela "Seara Nova" e que Filipe Ribeiro de Meneses, trabalhando nos "States", não terá tido oportunidade de consultar e é pena...

LAM disse...

Já tinha lido uma referência a esse tal livro e fiquei atónito.
E andaram uns desgraçados duns pais a pagar os estudos a um filho para agora ele fazer uma versão dos Simpsons do salazarismo.

manuela galhofo disse...

É veio ele das américas para vomitar umas quantas mentirolas sobre a besta...Branqueiam tanto,que o AntºP.Vasconcelos ainda há-de fazer mais um filmezito sobre o charme da besta...Já não há pachorra!

samuel disse...

Luís Nogueira:
Para escrever assim tão “ao lado”, alguma coisa se passou, certamente...

Antuã:
Pelo menos parece.

Fernando Samuel:
Ah!... Não foi?!!!

Daniel:
Vês como era simples? Bastava ter perguntado a quem sabe...

Smvasconcelos:
Eles sabem exactamente o que estão a fazer e para quê. Daqui por vinte ou trinta anos, desaparecida a geração que viveu o fascismo e a revolução, o que existirá como documento em arquivos de jornais e livros de estudo, será o que estas bestas escrevem.

Miguel Jeri:
Foi por isso que lhe aconselhei a leitura dos livrinhos da minha escola primária.

Swt:
A maioria de nós, quando tem saudades daquela escola, daqueles livros... e se ainda por cima teve um professor fantástico, como eu tive, não tem saudades do fascismo nem de Salazar, tem saudades de ser criança. Isso é bom!

Curioso do Mundo:
Grande ferramenta para começar! ☺ ☺

Carlos Machado Acabado:
Belo comentário! É isso tudo...

LAM:
Mas ainda mais idiota!

Manuela Galhofo:
Era tão humano, tão negociador, tão amigo do sexo oposto...


Abreijos colectivos!

Anónimo disse...

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- Norman