segunda-feira, 23 de maio de 2011

Rumo à utopia


Salvo honrosas exceções somos um povo bipolar. Intercalamos a um ritmo alucinado grandes admirações com profundos desprezos, grandes amores com vesgos ódios, grandes entusiasmos com as mais paralisantes melancolias e desânimos. Os treinadores de futebol são as vítimas mais visíveis desta arte portuguesa de, em poucos segundos, transformarmos o que era “bestial” em besta, mas por todo o lado, a toda a hora há sempre alguém a sofrer na pele as consequências desta doença.
A vida política – e as próximas eleições mais uma vez vão comprová-lo – não é exceção. As ideias e programas que hoje são capazes de provocar os mais inconvenientes entusiasmos e infundados triunfalismos, passado o dia das eleições, já são ideias que “não conseguem passar”, programas que têm que ser “profundamente repensados”, “nada vale a pena”, “não adianta insistir”... e por uns tempos, ou nos casos piores, para sempre, desiste-se.
E aqui chegamos a uma pequena “estória” que constituiu um aparte (são quase sempre a melhor parte) numa palestra do juiz Laborinho Lúcio, que aconteceu aqui em Montemor e que só surpreendeu quem nunca o tinha ouvido antes. Estava o orador numa fase em que na palestra, com o tema “Educação e Cidadania”, defendia perante uma plateia recheada de professores, que a educação e a cidadania estão intimamente ligadas e que fazem parte integrante de uma coisa maior que é a Liberdade, todas contribuindo para nos alimentar os passos rumo aos nossos sonhos, rumo à nossa Utopia. Dizia Laborinho Lúcio o quanto é triste ver um professor abandonar o sonho que o trouxe para o ensino, ver alguém, professor ou não, desistir da sua Utopia. Para melhor ilustrar a ideia, fez o tal “desvio” por esta estória, mais ou menos por estas palavras:
No princípio da década de cinquenta na povoação piscatória da Nazaré os estudos não iam além da velha quarta classe. Quando o muito jovem Laborinho Lúcio quis entrar para o ciclo preparatório teve que começar a viajar, diariamente, até Alcobaça. Apanhava a carreira dos “Claras” que ia para Torres Novas, saia em Alcobaça... e a camioneta lá seguia para o seu destino desconhecido e misterioso: Torres Novas!
Durante muito, muito tempo, Torres Novas foi a sua “utopia” de criança. Quando mais tarde conseguiu finalmente lá chegar, percebeu que o “problema” nunca residiu nem em Torres Novas, nem na sua “utopia”... mas simplesmente no facto de ele, todos os dias, durante meses e meses, se ter apeado cedo demais da carreira que o poderia levar até lá.
Exatamente como nós estamos, constantemente, a fazer. Façamos o possível por não sairmos da nossa carreira antes de chegarmos ao destino!

12 comentários:

Maria disse...

E eu que acabo justamente de chegar do país que elegi como o da minha utopia faz tempo...

Abreijos a todos.

Suq disse...

Levados levados sim, mas nunca para um beco sem saída!

Hoje o autocarro é conduzido por caminhos "minados" e sem rumo!

Não comparemos o que é incomparável.

svasconcelos disse...

Bonito post, samuel:)
Sim, o caminho faz-se (e deve fazer-se) caminhando...
bjs,

alfacinha disse...

talvez seja a vida desagradável para vivermos sem ilusão

do Zambujal (em viagens...) disse...

A história é enternecedora e muito bem contada. E por ti recontada.
Mas será correcto chamar-se utopia (mesmo entre aspas) ao que é um objectivo desejável e alcançável? Lenine dizia que há o sonho (que pode ser utópico por inalcançável), que há sonhar (que é procurar realizar o sonho) e que há saber sonhar (que é lutar de modo a que o sonho se concretize)!
Ir nos "Claras" até Torres Novas era um sonho realizável, ir de táxi até às Berlengas seria uma utopia.

Desculpa lá. Não merecias (nem o Laborinho Lúcio...) esta "seca"!

Um abraço

Anónimo disse...

Portugueses
Votem CDU porra.
Vitor sarilhos

samuel disse...

do Zambujal:

Estou certo de que o Dr. Laborinho estava a referir-se ao sonho realizável. Pelo menos eu estou.
Infelizmente, há tanta gente, há tanto tempo, classificando os sonhos e projectos realizáveis como utopia, que a palavra passou a ser uma espécie de rótulo pejorativo… a "soar mal"…
Resultados desta sociedade distópica. :-))

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

Que extraordinária a relação entre a histótia do prof. Laborinho e a nossa caminhada, rumo ao nosso sonho, que não é uma utopia!!!
Havemos de chegar lá.

Um beijo.

trepadeira disse...

Só vale a pena quando o caminho parece impossível.

Um abraço,
mário

vale dutopia disse...

eu vou... mas não empurro! (fausto)
Ó samuel... ambos sabemos que a caminhada se faz com guerreiros ombreando-se, nunca deixando para traz aquele que nos diz: "sê camarada, porra!". entretanto vou lutando, mesmo que só.

Fernando Samuel disse...

Bela história!

Um abraço.

Antuã disse...

Gostei muito.